Sentado à beira da praia, num dos altos do Forte. Lugar onde os estados misturam-se. Sondam-se. Não se escolhe o tamanho das ondas, apenas enfrenta-se o que virá. Aqueles que ali estavam pareciam não reconhecer o paradigma advindo dos densos e remotos mares. Viam tudo como simples e pura obra da natureza. O vento passava, levava a areia, remexia com tudo e todos ali presente. E as ondas volviam a bater rente ao longo corredor de areia da beira. Continuava, do alto do Forte, a observar a paisagem. O novo paradigma estava então diante dele, enfim. O silêncio dos ventos que entrecortavam qualquer tipo de negação daquele momento era, no mínimo, difícil de ser percebido. Os demais eram só estátuas de sal ali naquele lugar, olhavam apenas para o mesmo lado. O sal, não, não era o mesmo do mar. Olhou para baixo, para a areia fofa que se escondia à sombra do Forte. A sombra. Areia. Mar. Terra. Vento. Direção. Isto ao mesmo tempo!
Quando se dá atenção aquilo que lhe é próprio do momento, aquele dado ali em frente, é percebido as primeiras possibilidades. Os pensamentos queriam cruzar a mente. Por mais que tentasse, o silêncio de sua alma era magnânimo. Por mais que falassem, gritassem, fizessem barulho externo, nada lhe tirava a atenção. Mas, onde estaria agora? Nem ele sabia. Via fotografias sendo tiradas, era o registro dos outros daquele momento. Novamente, a direção. Areia. Sal. Mar. Vento. Olhou para baixo. Percebeu o movimento do final das ondas sobre a areia. Encontro. Sal e Areia molhada. O vento corria junto, dava para ver, claro. Aquele velho conceito percebido há tempos atrás agora se fazia sentido. Agora, encaixava. Isso era sabido. Não tinha a mínima necessidade de explicação, era só sentir a Alma do Mundo em movimento. Em constante. Com a sua. Movimento. Onda. Areia. Vento. Mar.
Era então assim, sentir. Enfim, algo o trazia. Conseguiu! E quem responde a esta questão? Desceu. O Forte. Foi de encontro à praia. Via o sorriso passageiro nos rostos ali espiados. Ele, não sorrira até então. O infinito encontrado nos rostos já havia se dispersado há muito. Ele tinha certeza. Caminhou em direção à beira, sentiu a água da praia tocar os dedos levemente, como se fosse, no próximo momento, fosse extinguir. A extinção já havia acontecido. Sentou-se, então, frente à possibilidade. Via-a recostada a seu peito. Agradeceu, não sabe a quê ou a quem. Mas, era a primeira vez que aquilo saía de dentro de si. E nessas horas não se sabe nem o que está dentro nem o que está fora. Dentro de onde? Perguntou-se, enfim. Deitou a palma da mão sobre a mistura de areia, sal, água e vento. Sentiu algo no encontro entre os espaços. Segurou. Puxou. Um terço, branco. Era o sinal que precisava! As lágrimas correram. Misturavam-se à areia, o sal, a água e ao vento. Trouxe o objeto para próximo do peito. Sentiu-o. Firme. Encontrara a precisão necessária onde estava reclinada a possibilidade.
Um simples movimento de respiração naqueles segundos, ali parado, era a produção de sentido que precisava. Logo fora avisado de que iriam partir. Por mais que quisesse, ou não, nunca iria esquecer aqueles sinais. Entrou no ônibus, como os outros. Ele, silêncio. Abriu as cortinas, viu aquele começo de tarde acenar para ele. As lágrimas acenaram de volta. Puseram-se a descansar enquanto prosseguiam para o próximo destino. No folheto na cadeira ao lado, havia o destino para qual ia agora. Pouco importava agora onde iam aquelas pessoas, muitas delas vieram a essa viagem por ser apenas mais uma viagem com a turma da escola. Ele, diferente. Abriu o folheto. Procurou a hora num relógio. Não tinha. Perguntou a alguém do lado. Responderam-lhe. Tornou a olhar o folheto. Iam a uma igreja agora, no alto. Seu rosto iluminou-se. Sincronia perfeita! Sentiu o terço em volta de seu pescoço.
Sincronia. Era só com ele ou mais alguém tinha algo a dizer? Queria levantar, dizer a todos ali presentes que encontrara um terço, falar da experiência de minutos atrás, de sincronia, de alma, enfim! Mas quem iria querer ouvir suas coisas? Quem iria querer ver lágrimas de emoção enquanto estavam tão distraídas com seus fones, suas festas, suas palavras jogadas? Logo se aquietou. Percorreu com olhar a extensão interna do ônibus. As cadeiras duplas estavam cheias. Duas pessoas em cada. Olhou pro lado. O que preenchia o espaço da cadeira ao lado eram seus livros. Pegou um deles. Baixou a cabeça.
Logo chegaram ao destino. Ali desceram. Ouvia resmungos de todos. Uns sorriam alto demais, chamavam muita atenção. Outros reclamavam do calor. Outros cantavam. E ele, nada. Saiu apenas com o terço enrolado em seu pescoço. Caminhou junto com os outros o caminho até a igreja. Por onde passava, via os olhares das pessoas com quem estava junto. Elas não se importam com a alma, com o sol, com a lua, com a noite, com as estrelas. Importam-se com sua imagem. Via alguns fingirem estarem encantados com alguma arte decorativa, aqueles suspiros de quando se vê uma coisa e acha bonito, mas no fundo, nem se importa. Só pra fazer cara, mesmo. Aproximaram-se então da igreja em questão.
Percorreu com os olhos a arquitetura da igreja. Monumental. Sentiu-se, por um momento, insignificante. Tolo. Diante daquilo, quem não sentiria isso? Foi atropelado por uma dupla que cantava em alto som. Era a resposta. Deu os primeiros movimentos para dentro da igreja. Era impressão, ou só ele conseguia ouvir seus passos? Alterou seu horizonte. Olhou para dentro do local. Majestoso. O ouro cobria as paredes, as imagens pintadas saltavam aos olhos. O altar principal, então. Agora sim, sentiu-se verdadeiramente pequeno. Estava bestificado com o que via. Encostou-se numa das cadeiras, sentou-se e contemplou.
A mesma sensação de estar junto ao mar parara diante dele naquela hora. Novamente, sentou-se à sua frente. Dessa vez, ele o cortejou. Ouviu um cochicho, trazido pelo vento. Sim, por favor. A fenda, enfim, abriu-se. Ajoelhou-se diante daquilo. Desceu a cabeça. Misturou oração e lágrimas, de novo. As lágrimas banharam o terço em suas mãos. Seu olhar, encharcado, voltou-se de encontro ao altar. Olhou bem. Encontrou um senhor de batina (não sabia o que era) azul, em tons escuros. Foi a seu encontro.
Seus olhos encontraram-se. O jovem sentiu um torpor ao penetrar o olhar do mais velho. Este percebera o olhar. Cativou-o. Enxugou as lágrimas. Segurou pela mão e o conduziu até uma ante-sala ao norte do altar. Ele ficara surpreso, não havia visto aquela sala. O senhor viu a dúvida em sua face e sorriu. Ele entendeu. Tirou do pescoço o terço achado, contou a história. O velho ouvia-o, perguntava-o. Respondeu. Entregou-lhe o terço molhado por suas lágrimas. Outra submersão foi feita, abençoou. Agradeceu com um abraço apertado. O velho sorriu de volta. Era hora de voltar.
Fez o percurso olhando para o terço em mãos. Subiu e sentou-se em sua cadeira. Puxou o livro para si. Alguém que passava naquele instante fitou-o. Leu o título do livro. “Ah! Você viu o velho que parecia um alquimista?” E sorriu um sorriso sarcástico. Deu as costas. Não ligou. Olhou pela janela. O tempo passa rápido. Já era fim de tarde. Contemplou o laranja-avermelhado do céu. Lembrou do dia. Era equinócio de primavera, como no livro! Sincronia! Não sentia necessidade de compartilhar com nada externo a ele, porque, como diz o mago do livro que lia, as coisas passavam a acontecer dentro dele. E chorou.
Entre Linhas e Significados
quarta-feira, 9 de março de 2011
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
O Espelho
Para uma coisa tão
sem movimento, sem
reflexo, feito um espelho
convexo que só aparenta
a fantasia do outro lado,
que só alimenta a
agonia deste estado.
Que só fomenta
a estrutura pelo outro
olhado.
Que só sobra, arde e vira.
sem movimento, sem
reflexo, feito um espelho
convexo que só aparenta
a fantasia do outro lado,
que só alimenta a
agonia deste estado.
Que só fomenta
a estrutura pelo outro
olhado.
Que só sobra, arde e vira.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Agradecimento
Os textos aqui postados são, de fato, experimentais. Esse primeiro experimento feito por mim pode se chamar "sentidos", se quiserem. Alguns dos contos aqui postados vão ser reformulados e postados em uma outra página, onde disponibilizarei o endereço pasra vocês. Obrigado.
Post-Scriptum:
Meus cordiais e sinceros agradecimentos a todos que contribuíram de alguma forma para este canto experimental onde posto alguns rabiscos. Não pararei de postar alguma coisa neste endereço, claro!
Quero demonstrar meu sincero agradecimento a todos que leram, o carinho recebido pelos amigos (também leitores), enfim. Obrigado a todos!
Post-Scriptum:
Meus cordiais e sinceros agradecimentos a todos que contribuíram de alguma forma para este canto experimental onde posto alguns rabiscos. Não pararei de postar alguma coisa neste endereço, claro!
Quero demonstrar meu sincero agradecimento a todos que leram, o carinho recebido pelos amigos (também leitores), enfim. Obrigado a todos!
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Rosa
Rosas ao altar
Ao mar, ao sul
Ao céu, ao fim
À ti e a mim.
Depois de uma valsa triste,
Projetos estragados, poemas rasgados
Versos desajustados
E rosas em certo estado
Que não chama a atenção
Mas que sempre é lembrado.
Ao mar, ao sul
Ao céu, ao fim
À ti e a mim.
Depois de uma valsa triste,
Projetos estragados, poemas rasgados
Versos desajustados
E rosas em certo estado
Que não chama a atenção
Mas que sempre é lembrado.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Aqua
por Matheus Rocha
O corpo estava estendido sobre a cama. O clima lá fora estava gélido. A névoa tomava conta da rua inteira, se vista da janela de seu quarto. O vento parecia estar forte, as árvores iam e vinham em gestos bruscos. O céu parecia armar uma grande tempestade. Finalmente começou a escutar os primeiros pingos de chuva baterem à sua janela. Olhou de lado, fitou firmemente a chuva. O barulho entrava levemente por seus ouvidos, parecia um sussurro, desses que se ouvem ao final do inverno. A chuva doce caindo, parecia querer dizer algo. Na verdade, tudo quer dizer algo. Até os pingos de chuva, por mínimos que sejam, trazem seus fatos e se deixam cair à terra para lhe mostrar o que são, o que vieram mostrar. Era agradável ver a chuva caindo. Talvez poucas pessoas lembrem que a partir do cinzento das nuvens nascem as mais belas flores. Olhou para o lado. Ela estava dormindo ainda.
Levantou-se, enfim. Tinha de fazer aquilo. Podia fazer aquilo o quanto quisesse. Ninguém mais ia lhe perguntar “por quê?”. Não era pra fazer sentido. Colocou devagar os pés no chão, sentiu quão frio estava. Fitou-a outra vez. Estendeu o braço para acariciar sua pele branca macia. Os loiros cabelos escondiam sua face, o que dava um ar de mistério a ela. Mais do que já tinham os dois? Não, não dava. Arrumou-lhe os cabelos. Sentiu sua mão ir de encontro àquele rosto rosado, quente. Percebeu a silhueta na qual ela estava envolvida pelo fino lençol branco, quase transparente. Sentiu as lágrimas vindas aos seus olhos, mas segurou-se. Prostrou-se de pé, contornou a cama. Estava diante de seu rosto. Deu um leve beijo em sua testa, para não acordá-la. Foi em direção à porta. Abriu devagar. Sentiu o vento vir de encontro a seu corpo. Estava frio, teve certeza então.
Passeou pela casa vazia. Só eles estavam lá. Não deu atenção direta à casa. Tinha um pensamento fixo, que não iria distanciar-se dele. Embora esse mesmo pensamento lhe fosse lembrado a cada passo, cada segundo, pelas gotas de chuva que lá fora se deixavam levar. Havia um silêncio diferente no local. O silêncio da chuva. Aqueles momentos em que tudo para, e só se ouve o barulho livre da chuva: molhando a terra, as plantas, indo contra o telhado. Chegou à varanda. A porta de vidro se estendia à sua frente. Sentou-se ao chão, recostou seu corpo junto à parede e apenas observou. Tudo parece ser bem mais fácil quando visto de longe. Cada pingo, por mais que confundamos a chuva como sendo um todo, realmente é uma unidade total, tem seu lugar exato na dança da chuva que se mostrava diante dele. Tinha energias diferentes, cada um deles. Confundiam-se, embrenhando uns nos outros. Era difícil de ver. Mas, com calma, atenção e esforço, percebia-se. Tudo se encaixava perfeitamente. O cheiro da terra molhada invadia sua alma aos poucos, o barulho dos pingos caindo já havia tomado conta. Sentia-se chamado por eles. Decerto sentira o sangue correr por suas veias. Talvez ainda não tinha se dado conta de seu próprio sangue, da sua rota. Era o caminho do sangue, e dentro dele, estava escrito o próprio caminho. Não, não estava codificado e trancafiado num simples DNA, nem nas células sanguíneas.
Levantou-se de súbito, mas não apressado. Abriu levemente a porta de vidro, e deixou o barulho penetrar por completo em seu estado. Agora sentia-o mais vívido, mais perto, mais certo. Não hesitou, nem um momento. Deixou-se guiar pelos ventos da dança da chuva. Deu o primeiro passo. Sentiu-os baterem contra seu corpo. Não se protegia de nenhum, deixava-os chocar-se nele. Eles não se desfaziam, como pensava. Eles agora eram parte dele, e ele era parte da chuva. Caminhou pelo jardim. Sentiu a terra molhada sob seus pés. A cada passo dado, misturava cada vez mais. Haviam milhares de possibilidades caindo sobre eles, e ele não era a única possibilidade de queda que a chuva tinha. São infinitas possibilidades. Agradeceu por ter um ínfimo daquelas possibilidades que caíam a todo o momento. Sabia que não eram seus, era o contrário. Ele era deles. E não tinha como não ser. Baixou a cabeça e não se conteve mais. Deixou o choro cair.
Suas lágrimas misturavam-se com os pingos de chuva. Ambas caíam juntas. Iam de encontro ao chão. Cambaleou. Deu dois passos para frente. Deixou se cair, desabar rente ao chão. Foi de encontro ao gramado verde, ao tapete da natureza. Sentia a chuva cair diretamente, misturando com a areia fofa da terra. Também sentiu suas lágrimas caírem junto, misturando-se com a chuva e a terra. Agarrou firmemente a grama. Cravou seus dedos na terra. Chorou feito uma criança, olvidou-se do tempo. Apenas sentia aquela sensação de misturar-se.
Espiou de lado. Seu olhar foi de encontro a uma rosa que começava a desabrochar. Contemplou-a por um bom tempo. Ela também dançava. Parecia estar se exibindo para ele. Desabrochou, enfim. Era perfeita. Havia uma rosa em seu jardim. Moveu-se depois de tempo. Sentou-se agora diante da rosa. A chuva ainda caía. Não se esquecera da chuva. Apenas concentrou-se na rosa que via à sua frente.
Encolheu os joelhos para perto de seu peito molhado. Sentiu seu sangue correr vivo por entre seus vasos. Sentiu seu batimento, sua respiração. Sentiu tudo o que poderia sentir naquele curto momento. A chuva diminuiu o ritmo. As brechas do sol fizeram-se ver, mesmo com a chuva ainda caindo. Foi rápido. Mas ele não desvencilhou o olhar da rosa. Ficou parado, imóvel.
Observou a flor ali, sozinha e encharcada. Viu seu reflexo na poça de água que formara-se ao lado dela. Viu uma imagem refletida. Viu a verdade, a consciência e, principalmente, viu seu coração. Há pouco o havia sentido, mas não tinha visto. O reflexo da água, que se fazia espelho agora, mostrou-lhe o que precisava ver. Tinha fugido daquela imagem por todo tempo, mas era preciso enfrentar, não a palavra exata, já não tinha essa exatidão, mas o mais próximo disso possível.
Observou a água escorrer por seu corpo, Viu perder-se entre a terra. Os pingos, a unidade, a chuva, o rio. A fonte. Purificação e regeneração misturavam-se em seu largo peito molhado naquele momento.
Sentiu uma leve presença se aproximando. Era ela. Estava descalça, assim como ele. Aproximou-se e sentou do seu lado. Ela afagou-lhe os cabelos, molhados pela chuva. Ele não precisara falar. Ela entendera tudo. Sempre entendia. Sentiu mais uma vez as lágrimas vindo aos olhos e deixou-as sair novamente. Sentiu-se repentinamente nostálgico. Ela as enxugou carinhosamente. Deu-lhe um beijo na testa. Sentiu ainda o choque dos lábios juntos. Misturava-se com a fina chuva que se fazia ainda presente. Ao longo daquele espaço de tempo do beijo selado, a chuva parou. Ele a abraçou fortemente. Havia outro silêncio no local. Ela levou sua cabeça a encontro do peito molhado dele e ali se recostou suavemente. Contemplaram juntos e abraçados o arco-íris que se estendia no horizonte à sua frente. Ele sentiu aqueles cabelos molhados junto a seu peito. De uma coisa estava certo: havia uma flor em seu jardim.
O corpo estava estendido sobre a cama. O clima lá fora estava gélido. A névoa tomava conta da rua inteira, se vista da janela de seu quarto. O vento parecia estar forte, as árvores iam e vinham em gestos bruscos. O céu parecia armar uma grande tempestade. Finalmente começou a escutar os primeiros pingos de chuva baterem à sua janela. Olhou de lado, fitou firmemente a chuva. O barulho entrava levemente por seus ouvidos, parecia um sussurro, desses que se ouvem ao final do inverno. A chuva doce caindo, parecia querer dizer algo. Na verdade, tudo quer dizer algo. Até os pingos de chuva, por mínimos que sejam, trazem seus fatos e se deixam cair à terra para lhe mostrar o que são, o que vieram mostrar. Era agradável ver a chuva caindo. Talvez poucas pessoas lembrem que a partir do cinzento das nuvens nascem as mais belas flores. Olhou para o lado. Ela estava dormindo ainda.
Levantou-se, enfim. Tinha de fazer aquilo. Podia fazer aquilo o quanto quisesse. Ninguém mais ia lhe perguntar “por quê?”. Não era pra fazer sentido. Colocou devagar os pés no chão, sentiu quão frio estava. Fitou-a outra vez. Estendeu o braço para acariciar sua pele branca macia. Os loiros cabelos escondiam sua face, o que dava um ar de mistério a ela. Mais do que já tinham os dois? Não, não dava. Arrumou-lhe os cabelos. Sentiu sua mão ir de encontro àquele rosto rosado, quente. Percebeu a silhueta na qual ela estava envolvida pelo fino lençol branco, quase transparente. Sentiu as lágrimas vindas aos seus olhos, mas segurou-se. Prostrou-se de pé, contornou a cama. Estava diante de seu rosto. Deu um leve beijo em sua testa, para não acordá-la. Foi em direção à porta. Abriu devagar. Sentiu o vento vir de encontro a seu corpo. Estava frio, teve certeza então.
Passeou pela casa vazia. Só eles estavam lá. Não deu atenção direta à casa. Tinha um pensamento fixo, que não iria distanciar-se dele. Embora esse mesmo pensamento lhe fosse lembrado a cada passo, cada segundo, pelas gotas de chuva que lá fora se deixavam levar. Havia um silêncio diferente no local. O silêncio da chuva. Aqueles momentos em que tudo para, e só se ouve o barulho livre da chuva: molhando a terra, as plantas, indo contra o telhado. Chegou à varanda. A porta de vidro se estendia à sua frente. Sentou-se ao chão, recostou seu corpo junto à parede e apenas observou. Tudo parece ser bem mais fácil quando visto de longe. Cada pingo, por mais que confundamos a chuva como sendo um todo, realmente é uma unidade total, tem seu lugar exato na dança da chuva que se mostrava diante dele. Tinha energias diferentes, cada um deles. Confundiam-se, embrenhando uns nos outros. Era difícil de ver. Mas, com calma, atenção e esforço, percebia-se. Tudo se encaixava perfeitamente. O cheiro da terra molhada invadia sua alma aos poucos, o barulho dos pingos caindo já havia tomado conta. Sentia-se chamado por eles. Decerto sentira o sangue correr por suas veias. Talvez ainda não tinha se dado conta de seu próprio sangue, da sua rota. Era o caminho do sangue, e dentro dele, estava escrito o próprio caminho. Não, não estava codificado e trancafiado num simples DNA, nem nas células sanguíneas.
Levantou-se de súbito, mas não apressado. Abriu levemente a porta de vidro, e deixou o barulho penetrar por completo em seu estado. Agora sentia-o mais vívido, mais perto, mais certo. Não hesitou, nem um momento. Deixou-se guiar pelos ventos da dança da chuva. Deu o primeiro passo. Sentiu-os baterem contra seu corpo. Não se protegia de nenhum, deixava-os chocar-se nele. Eles não se desfaziam, como pensava. Eles agora eram parte dele, e ele era parte da chuva. Caminhou pelo jardim. Sentiu a terra molhada sob seus pés. A cada passo dado, misturava cada vez mais. Haviam milhares de possibilidades caindo sobre eles, e ele não era a única possibilidade de queda que a chuva tinha. São infinitas possibilidades. Agradeceu por ter um ínfimo daquelas possibilidades que caíam a todo o momento. Sabia que não eram seus, era o contrário. Ele era deles. E não tinha como não ser. Baixou a cabeça e não se conteve mais. Deixou o choro cair.
Suas lágrimas misturavam-se com os pingos de chuva. Ambas caíam juntas. Iam de encontro ao chão. Cambaleou. Deu dois passos para frente. Deixou se cair, desabar rente ao chão. Foi de encontro ao gramado verde, ao tapete da natureza. Sentia a chuva cair diretamente, misturando com a areia fofa da terra. Também sentiu suas lágrimas caírem junto, misturando-se com a chuva e a terra. Agarrou firmemente a grama. Cravou seus dedos na terra. Chorou feito uma criança, olvidou-se do tempo. Apenas sentia aquela sensação de misturar-se.
Espiou de lado. Seu olhar foi de encontro a uma rosa que começava a desabrochar. Contemplou-a por um bom tempo. Ela também dançava. Parecia estar se exibindo para ele. Desabrochou, enfim. Era perfeita. Havia uma rosa em seu jardim. Moveu-se depois de tempo. Sentou-se agora diante da rosa. A chuva ainda caía. Não se esquecera da chuva. Apenas concentrou-se na rosa que via à sua frente.
Encolheu os joelhos para perto de seu peito molhado. Sentiu seu sangue correr vivo por entre seus vasos. Sentiu seu batimento, sua respiração. Sentiu tudo o que poderia sentir naquele curto momento. A chuva diminuiu o ritmo. As brechas do sol fizeram-se ver, mesmo com a chuva ainda caindo. Foi rápido. Mas ele não desvencilhou o olhar da rosa. Ficou parado, imóvel.
Observou a flor ali, sozinha e encharcada. Viu seu reflexo na poça de água que formara-se ao lado dela. Viu uma imagem refletida. Viu a verdade, a consciência e, principalmente, viu seu coração. Há pouco o havia sentido, mas não tinha visto. O reflexo da água, que se fazia espelho agora, mostrou-lhe o que precisava ver. Tinha fugido daquela imagem por todo tempo, mas era preciso enfrentar, não a palavra exata, já não tinha essa exatidão, mas o mais próximo disso possível.
Observou a água escorrer por seu corpo, Viu perder-se entre a terra. Os pingos, a unidade, a chuva, o rio. A fonte. Purificação e regeneração misturavam-se em seu largo peito molhado naquele momento.
Sentiu uma leve presença se aproximando. Era ela. Estava descalça, assim como ele. Aproximou-se e sentou do seu lado. Ela afagou-lhe os cabelos, molhados pela chuva. Ele não precisara falar. Ela entendera tudo. Sempre entendia. Sentiu mais uma vez as lágrimas vindo aos olhos e deixou-as sair novamente. Sentiu-se repentinamente nostálgico. Ela as enxugou carinhosamente. Deu-lhe um beijo na testa. Sentiu ainda o choque dos lábios juntos. Misturava-se com a fina chuva que se fazia ainda presente. Ao longo daquele espaço de tempo do beijo selado, a chuva parou. Ele a abraçou fortemente. Havia outro silêncio no local. Ela levou sua cabeça a encontro do peito molhado dele e ali se recostou suavemente. Contemplaram juntos e abraçados o arco-íris que se estendia no horizonte à sua frente. Ele sentiu aqueles cabelos molhados junto a seu peito. De uma coisa estava certo: havia uma flor em seu jardim.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
O Mendigo
O Mendigo
por Matheus Rocha
Estava ali havia alguns minutos. Acabara de ver sua namorada subindo para o ônibus junto com sua prima. Agora, era ele que esperava o seu. Passavam pessoas, carros, motos, cães, gatos e outros ônibus. Nenhum deles era o que esperava. Naquele dia estava especialmente difícil. Era um final de semana, as pessoas conversavam sobre as coisas da televisão, que por sinal nada tinha de interessante naquele dia. O jovem, paciente, não demonstrava nenhum tipo de interesse nas coisas ao redor, assim como todos os outros ali naquela rua, pouco movimentado para àquela cidade. Ah, era fim de semana. Havia algumas farmácias abertas, alguns carrinhos de balas faziam ponto ainda àquela hora. Deveria estar tarde. Olhou o relógio pela décima vez desde que chegara ao ponto de ônibus. Não tinha se passado tanto tempo como pensara. É que o tempo dependia só dele, era o seu tempo! Só aparecia se olhasse para ele, para o relógio. Outras pessoas chegam ao ponto onde está, olham para o tráfego, fingem que não o vêem. Quando não conseguem, ou sentam-se ou puxam assunto. Foi o que aconteceu:
- Há muito tempo que você está aqui? – pergunta uma senhora de estatura baixa, óculos desgastados, um pouco corcunda e com pressa no olhar. Ela logo desvia o olhar. Ele hesitou, pensou um pouco.
- S-Sim... Eu acho. – ele não evitava. A velha resmungou qualquer coisa que ele não entendera, nem procurou entender. Ele voltou seu olhar para o tráfego que estava a sua frente, procurou no horizonte um ônibus. Logo a velha afastou-se. Ele a seguiu com os olhos, estava acompanhada com sua família. Procurou distração, mas naquele tempo, agradável até, era difícil distrair-se. Só o tráfego entediante e pessoas que iam e vinham sem nem se dar conta do que acontecia ao redor.
- Você viu se o ônibus da linha sete já passou? – perguntou uma voz, conhecida para ele. Virou-se e viu, de novo, a velha.
- Passou um há uns tempos. Penso que já passa outro, daqui a alguns instantes. – Ela virou-se e logo caminhou para o banco onde estava. Um ônibus parou no ponto onde estavam, mas não era nem o dele nem o de ninguém que por ali passava. Parecia ser o ônibus de outra cidade, próxima talvez aquela onde estivesse. Encostou a cabeça no poste ao seu lado, os olhos procuravam incessantemente alguma coisa que parecia fugir àquele tédio. Ia e voltava com os olhos, acompanhava os carros e as pessoas que passavam do outro lado da rua. Sentiu sede. Procurou nos bolsos algum trocado, só sentiu algumas moedas roçarem em seus dedos. Era o dinheiro de sua passagem. Não podia gastá-lo.
A noite estava agradável, era primavera, o clima estava ameno, o vento estava suave. Tinha passado uma ótima tarde. Estava tranqüilo, enfim. Passaram-se mais dois ônibus. Um deles parou para um passageiro subir e outro descer. Parecia uma troca! Um descia, outro subia. E as mesmas expressões impregnadas nas caricaturas daquela cidade, encostadas às janelas dos ônibus, cansadas por um final de semana inteiro, tendo em vista o dia de amanhã, o trabalho. Tudo o que tinha de mais perto do pensamento daquele dia era estar dentro de um ônibus, voltando pra casa. Mas de resto, era o pensamento chato de ir trabalhar na manhã seguinte. O tédio era a matéria-prima do final de semana das pessoas que ele vira, estava estampado em suas faces presas às janelas dos ônibus. Pareciam pender sempre que entravam, sentavam-se, davam uma rápida olhada pela janela, e... encostavam-se nela.
Outras pessoas aproximaram-se do ponto de ônibus. Uma mulher sentou-se num batente de uma loja. Tinha cabelos longos, ruivos, feições bem delineadas. Era fina. Tirou um cigarro da bolsa, puxou um isqueiro e acendeu. Sua face iluminou-se de súbito, e o cheiro da fumaça espalhou-se pelo ar rapidamente. Lugar aberto, logo passou. Ele observava as tragadas intermináveis e intermitentes da moça que sentara atrás dele. Um suspiro saiu dos lábios dela, suspiro cansado, logo se apagou. Junto com o cigarro. Jogou o toco de lado e levantou-se. Veio em sua direção. Ficou a dois passos de distância dele, um pouco a sua direita. A figura de um ônibus apontou, enfim. Ela estendeu o braço, o motorista parou no ponto. Ela subiu e prostrou-se no fim do ônibus. Ele apenas acompanhava com os olhos aquela figura distanciar-se do lugar onde estava. Poderia nunca mais vê-la, ou tornar a encontrá-la no mesmo ponto, quem sabe.
Viu um ônibus com o nome um pouco apagado parar no ponto e dele sair várias pessoas. Pessoas com seus tédios próprios e gerais ao mesmo tempo. Figuras e formas distintas, e o mesmo fundo. A cidade era indistinta para a maioria. Um em especial meneava a cabeça para todos os lados possíveis, parecia tentar captar algo que acontecia por ali. Era um sujeito maltrapilho, com suas vestes sujas e encardidas, um chapéu na cabeça e algo nas costas. Era um saco, um saco grande. Não fazia muito esforço para levar o saco, parecia não estar cheio. Subiu à calçada ainda meneando para todos os lados, foi de encontro ao ponto de ônibus onde estava recostado o jovem. Pareceu hesitar um pouco antes de fazer algum comentário. Dirigiu-se ao jovem.
- Estou perdido. As ruas não! Onde estou? – disse o sujeito. Estava bem próximo do jovem. Este pôde distinguir o hálito do homem à sua frente, tinha um leve teor alcoólico. Era pouco, mas tinha. Antes que o jovem eventualmente viesse a responder a pergunta feita por ele, ele completou – Estou no centro da cidade?
- Sim, está no centro da cidade. – Respondeu rapidamente o jovem. Percebeu uma movimentação de recuo em algo que estava no campo periférico de sua visão, um pouco turva daquele lado. Alguém recuou quando viu a aproximação do homem que descera do ônibus. Tornou a olhar para o homem. Este voltava a menear a cabeça como se procurasse algo conhecido em torno do lugar onde estava. Seu olhar parecia percorrer toda a extensão daquele lugar, passando pela praça à frente deles, e ia do outro lado da rua. Pareceu reconhecer algo.
- Vê o Banco? – apontou ele para um dos bancos mais conhecidos da cidade. Enfiou a mão nos bolsos como se fosse pegar algo e voltou a dizer – Não tem dinheiro, meu jovem! Pra que serve?! Não tem dinheiro!
O jovem agora ganhava uma atenção especial para com o mendigo. Algo o levava, o impulsionava na direção daquele indivíduo parado à sua frente. O homem logo continuou:
- Não tenho estudos. Estudei até o primário. Não tinha razões para continuar! Tive que sair e virei mendigo. – parou um pouco. Depois de um tempo, voltou – Não tenho dinheiro. Estou com fome. Onde posso encontrar algo para comer?
- Esta rua aqui é uma rua de restaurantes. Aí na esquina estão servindo jantar ainda. – retrucou o jovem encostado no ponto de ônibus. O mendigo virou um pouco e observou a rua que continuava atrás dele.
- Têm mesmo? Onde posso comer? – perguntou novamente o homem.
- Aí na esquina. Pode ir à porta. – apontou à frente. O homem fitou-o durante algum tempo. Parecia estar lembrando-se de algum detalhe importante. Sem muito esforço, perguntou outra vez:
- Aqui tem uma praça. Onde fica? A praça onde os mendigos dormem. Estou cansado. – Então não era a primeira vez dele ali na cidade. Mas nitidamente estava perdido. Isso se via em seus olhos. O jovem prostrou-se do lado do homem, segurou-lhe o ombro e apontou à frente. Seus olhos bateram com a Igreja. Então, via tudo! Sentiu uma estranha sensação. Era indefinível aquilo que se passava diante de seus olhos. Por um instante, e por apenas aquele instante, para àquele mendigo, ele tornara-se a pessoa mais importante da sua existência. Ele enfim respondeu:
- Está vendo aquela rua? – apontou para uma rua que estava à esquerda da Igreja. Ela subia. – Ela segue em diante. Siga-a. É só subir por ela e seguir direto. O senhor estará justamente na praça à qual se refere. – Terminou a frase e olhou para o mendigo. Havia um brilho diferente em seus olhos. Não o brilho de quem anda perdido por cidade que nem conhece direito, embora por ali já tivesse passado. Mas um brilho diferente. Um brilho de quem redescobre alguma coisa que parecia longe. O homem estendeu os braços, o jovem deu um passo à frente. Eles abraçaram-se. Um longo e forte abraço, por dois lados, pelas duas partes. O homem agradeceu longamente. O jovem apenas ouviu, sem nada dizer. Soltaram-se, então. Havia lágrimas nos olhos do jovem.
- Você é um rapaz estudado! Parabéns. Não tive esta oportunidade. Você é um rapaz muito bom. – disse o homem afastando-se e sorrindo pra ele – Obrigado! – bradou forte aquele mendigo. O jovem tornou a recostar-se em dado ponto, e logo viu o seu ônibus chegar. Oras, parecia só estar esperando aquele acontecimento passar! Ele subiu os degraus olhando para fora. Retirou as moedas do bolso e as entregou ao cobrador, que tinha um cara de tédio e cansaço. Correu para aponta do ônibus e observou da janela. Viu o homem ainda voltando, passou pelo ônibus, que já estava de partida. Deu uma última olhada da janela. Algumas pessoas haviam visto a cena, mas pouco caso fizeram dela. O ônibus começou a andar lentamente. Passou ainda pelo homem, olhou-o ainda uma vez. Despediu-se dele com o olhar ainda em água. Enxugou.
Depois daquele encontro, o jovem sentiu-se um estrangeiro na cidade, e passou a andar nas ruas como se desconhecesse aonde iriam. E no fim das contas, ninguém sabe realmente para onde vai. Só as ruas.
por Matheus Rocha
Estava ali havia alguns minutos. Acabara de ver sua namorada subindo para o ônibus junto com sua prima. Agora, era ele que esperava o seu. Passavam pessoas, carros, motos, cães, gatos e outros ônibus. Nenhum deles era o que esperava. Naquele dia estava especialmente difícil. Era um final de semana, as pessoas conversavam sobre as coisas da televisão, que por sinal nada tinha de interessante naquele dia. O jovem, paciente, não demonstrava nenhum tipo de interesse nas coisas ao redor, assim como todos os outros ali naquela rua, pouco movimentado para àquela cidade. Ah, era fim de semana. Havia algumas farmácias abertas, alguns carrinhos de balas faziam ponto ainda àquela hora. Deveria estar tarde. Olhou o relógio pela décima vez desde que chegara ao ponto de ônibus. Não tinha se passado tanto tempo como pensara. É que o tempo dependia só dele, era o seu tempo! Só aparecia se olhasse para ele, para o relógio. Outras pessoas chegam ao ponto onde está, olham para o tráfego, fingem que não o vêem. Quando não conseguem, ou sentam-se ou puxam assunto. Foi o que aconteceu:
- Há muito tempo que você está aqui? – pergunta uma senhora de estatura baixa, óculos desgastados, um pouco corcunda e com pressa no olhar. Ela logo desvia o olhar. Ele hesitou, pensou um pouco.
- S-Sim... Eu acho. – ele não evitava. A velha resmungou qualquer coisa que ele não entendera, nem procurou entender. Ele voltou seu olhar para o tráfego que estava a sua frente, procurou no horizonte um ônibus. Logo a velha afastou-se. Ele a seguiu com os olhos, estava acompanhada com sua família. Procurou distração, mas naquele tempo, agradável até, era difícil distrair-se. Só o tráfego entediante e pessoas que iam e vinham sem nem se dar conta do que acontecia ao redor.
- Você viu se o ônibus da linha sete já passou? – perguntou uma voz, conhecida para ele. Virou-se e viu, de novo, a velha.
- Passou um há uns tempos. Penso que já passa outro, daqui a alguns instantes. – Ela virou-se e logo caminhou para o banco onde estava. Um ônibus parou no ponto onde estavam, mas não era nem o dele nem o de ninguém que por ali passava. Parecia ser o ônibus de outra cidade, próxima talvez aquela onde estivesse. Encostou a cabeça no poste ao seu lado, os olhos procuravam incessantemente alguma coisa que parecia fugir àquele tédio. Ia e voltava com os olhos, acompanhava os carros e as pessoas que passavam do outro lado da rua. Sentiu sede. Procurou nos bolsos algum trocado, só sentiu algumas moedas roçarem em seus dedos. Era o dinheiro de sua passagem. Não podia gastá-lo.
A noite estava agradável, era primavera, o clima estava ameno, o vento estava suave. Tinha passado uma ótima tarde. Estava tranqüilo, enfim. Passaram-se mais dois ônibus. Um deles parou para um passageiro subir e outro descer. Parecia uma troca! Um descia, outro subia. E as mesmas expressões impregnadas nas caricaturas daquela cidade, encostadas às janelas dos ônibus, cansadas por um final de semana inteiro, tendo em vista o dia de amanhã, o trabalho. Tudo o que tinha de mais perto do pensamento daquele dia era estar dentro de um ônibus, voltando pra casa. Mas de resto, era o pensamento chato de ir trabalhar na manhã seguinte. O tédio era a matéria-prima do final de semana das pessoas que ele vira, estava estampado em suas faces presas às janelas dos ônibus. Pareciam pender sempre que entravam, sentavam-se, davam uma rápida olhada pela janela, e... encostavam-se nela.
Outras pessoas aproximaram-se do ponto de ônibus. Uma mulher sentou-se num batente de uma loja. Tinha cabelos longos, ruivos, feições bem delineadas. Era fina. Tirou um cigarro da bolsa, puxou um isqueiro e acendeu. Sua face iluminou-se de súbito, e o cheiro da fumaça espalhou-se pelo ar rapidamente. Lugar aberto, logo passou. Ele observava as tragadas intermináveis e intermitentes da moça que sentara atrás dele. Um suspiro saiu dos lábios dela, suspiro cansado, logo se apagou. Junto com o cigarro. Jogou o toco de lado e levantou-se. Veio em sua direção. Ficou a dois passos de distância dele, um pouco a sua direita. A figura de um ônibus apontou, enfim. Ela estendeu o braço, o motorista parou no ponto. Ela subiu e prostrou-se no fim do ônibus. Ele apenas acompanhava com os olhos aquela figura distanciar-se do lugar onde estava. Poderia nunca mais vê-la, ou tornar a encontrá-la no mesmo ponto, quem sabe.
Viu um ônibus com o nome um pouco apagado parar no ponto e dele sair várias pessoas. Pessoas com seus tédios próprios e gerais ao mesmo tempo. Figuras e formas distintas, e o mesmo fundo. A cidade era indistinta para a maioria. Um em especial meneava a cabeça para todos os lados possíveis, parecia tentar captar algo que acontecia por ali. Era um sujeito maltrapilho, com suas vestes sujas e encardidas, um chapéu na cabeça e algo nas costas. Era um saco, um saco grande. Não fazia muito esforço para levar o saco, parecia não estar cheio. Subiu à calçada ainda meneando para todos os lados, foi de encontro ao ponto de ônibus onde estava recostado o jovem. Pareceu hesitar um pouco antes de fazer algum comentário. Dirigiu-se ao jovem.
- Estou perdido. As ruas não! Onde estou? – disse o sujeito. Estava bem próximo do jovem. Este pôde distinguir o hálito do homem à sua frente, tinha um leve teor alcoólico. Era pouco, mas tinha. Antes que o jovem eventualmente viesse a responder a pergunta feita por ele, ele completou – Estou no centro da cidade?
- Sim, está no centro da cidade. – Respondeu rapidamente o jovem. Percebeu uma movimentação de recuo em algo que estava no campo periférico de sua visão, um pouco turva daquele lado. Alguém recuou quando viu a aproximação do homem que descera do ônibus. Tornou a olhar para o homem. Este voltava a menear a cabeça como se procurasse algo conhecido em torno do lugar onde estava. Seu olhar parecia percorrer toda a extensão daquele lugar, passando pela praça à frente deles, e ia do outro lado da rua. Pareceu reconhecer algo.
- Vê o Banco? – apontou ele para um dos bancos mais conhecidos da cidade. Enfiou a mão nos bolsos como se fosse pegar algo e voltou a dizer – Não tem dinheiro, meu jovem! Pra que serve?! Não tem dinheiro!
O jovem agora ganhava uma atenção especial para com o mendigo. Algo o levava, o impulsionava na direção daquele indivíduo parado à sua frente. O homem logo continuou:
- Não tenho estudos. Estudei até o primário. Não tinha razões para continuar! Tive que sair e virei mendigo. – parou um pouco. Depois de um tempo, voltou – Não tenho dinheiro. Estou com fome. Onde posso encontrar algo para comer?
- Esta rua aqui é uma rua de restaurantes. Aí na esquina estão servindo jantar ainda. – retrucou o jovem encostado no ponto de ônibus. O mendigo virou um pouco e observou a rua que continuava atrás dele.
- Têm mesmo? Onde posso comer? – perguntou novamente o homem.
- Aí na esquina. Pode ir à porta. – apontou à frente. O homem fitou-o durante algum tempo. Parecia estar lembrando-se de algum detalhe importante. Sem muito esforço, perguntou outra vez:
- Aqui tem uma praça. Onde fica? A praça onde os mendigos dormem. Estou cansado. – Então não era a primeira vez dele ali na cidade. Mas nitidamente estava perdido. Isso se via em seus olhos. O jovem prostrou-se do lado do homem, segurou-lhe o ombro e apontou à frente. Seus olhos bateram com a Igreja. Então, via tudo! Sentiu uma estranha sensação. Era indefinível aquilo que se passava diante de seus olhos. Por um instante, e por apenas aquele instante, para àquele mendigo, ele tornara-se a pessoa mais importante da sua existência. Ele enfim respondeu:
- Está vendo aquela rua? – apontou para uma rua que estava à esquerda da Igreja. Ela subia. – Ela segue em diante. Siga-a. É só subir por ela e seguir direto. O senhor estará justamente na praça à qual se refere. – Terminou a frase e olhou para o mendigo. Havia um brilho diferente em seus olhos. Não o brilho de quem anda perdido por cidade que nem conhece direito, embora por ali já tivesse passado. Mas um brilho diferente. Um brilho de quem redescobre alguma coisa que parecia longe. O homem estendeu os braços, o jovem deu um passo à frente. Eles abraçaram-se. Um longo e forte abraço, por dois lados, pelas duas partes. O homem agradeceu longamente. O jovem apenas ouviu, sem nada dizer. Soltaram-se, então. Havia lágrimas nos olhos do jovem.
- Você é um rapaz estudado! Parabéns. Não tive esta oportunidade. Você é um rapaz muito bom. – disse o homem afastando-se e sorrindo pra ele – Obrigado! – bradou forte aquele mendigo. O jovem tornou a recostar-se em dado ponto, e logo viu o seu ônibus chegar. Oras, parecia só estar esperando aquele acontecimento passar! Ele subiu os degraus olhando para fora. Retirou as moedas do bolso e as entregou ao cobrador, que tinha um cara de tédio e cansaço. Correu para aponta do ônibus e observou da janela. Viu o homem ainda voltando, passou pelo ônibus, que já estava de partida. Deu uma última olhada da janela. Algumas pessoas haviam visto a cena, mas pouco caso fizeram dela. O ônibus começou a andar lentamente. Passou ainda pelo homem, olhou-o ainda uma vez. Despediu-se dele com o olhar ainda em água. Enxugou.
Depois daquele encontro, o jovem sentiu-se um estrangeiro na cidade, e passou a andar nas ruas como se desconhecesse aonde iriam. E no fim das contas, ninguém sabe realmente para onde vai. Só as ruas.
sábado, 30 de outubro de 2010
A Marcha do Tempo
Ontem ou amanhã. Não hoje
E o tempo se esvai...
E meio que sem sentido
Perde em si mesmo
Aquele prazer obtido.
Ontem, era uma realidade.
Amanhã? Futuro ou causalidade...
Hoje, não se sabe...
E o tempo se esvai...
E meio que sem sentido
Perde em si mesmo
Aquele prazer obtido.
Ontem, era uma realidade.
Amanhã? Futuro ou causalidade...
Hoje, não se sabe...
Casal
Os pensamentos vagavam pela sala, calma, vazia, límpida e clara. A posição de seu corpo denunciava o cansaço que era inerente ao final de semana. Fim de tarde, então. Ele, inerte. Observava. Ela, em outro canto, esperava. Não cairia dessa vez. Inevitável armadilha a de iniciar uma conversa! Nenhum esboçava uma reação clara, um sinal de ação, um começo. Na verdade, já havia começado. O ponto final, estranho assim chamar-se, iniciou a conversa. Vez por outra, os olhos encontravam-se. Olhavam-se, não se viam. Aquele olhar de quem olha de relance. O olhar de quem anda com um fone nos ouvidos, “atento” a tudo o que está ao redor. Olhar, apenas. E do tabuleiro ninguém movia uma pedra. As posições do espaço em que ocupavam trocavam-se em instantes precisos, mas nada de conversa. Desviavam a atenção para qualquer parte. As paredes tem ouvidos! Era inquietante saber. Não estavam sozinhos.
Ela cruza as pernas; ele, os braços. O espaço mudava de direção, junto com os olhares para onde se viravam. Era tudo novo, bastava mexer o corpo. Olhar distinto. Eram novas projeções formadas. Bastava afastar a cadeira para ter o novo ângulo. Um golpe de vista apenas! Merecia atenção? Não era teatro. Os papéis foram escolhidos, oficialmente. Representam muito bem! Ela, vestido vermelho, maquiagem borrada pelo choro, olhos inchados. Ele, paletó, gravata e aliança no dedo. O abismo separava; a relação, agora sem êxito nenhum, lograva a partir. Quem sabe iria pela porta da frente? Ela ia abrir, eles virar-se-iam e veriam o frio gritante lá fora entrar e atingir seus corpos. Tremeriam. Será que enfim iriam procurar-se? Calor humano! Mas nem sinal. Parece que o “entre” não queria sair daquele espaço, aquele curto metro que os separava. Seria aquele espaço “entre” os dois a relação? Onde estaria ela, afinal? Jogava-se aos pés dela, beijava-a implorando por salvação ou suplicava gritando na cabeça dele, pedindo o primeiro sinal?
Quem sabe sairia pela porta dos fundos! Desvencilhava-se, calmamente, e, de súbito, correria tão depressa daquele lugar que o próximo minuto passado já estava esquecido. Sem rastros, sem acusações de saída. Se saísse pela porta da frente, ia ser notada. Teria que abrir a porta, fazer barulho e deixá-los para trás, sem remorsos. Mas daria o próximo passo? Nos fundos, pelo menos, deixava alguma coisa, um caminho! Poderiam reencontrá-la. Pela frente, o mundo todo e várias pessoas. Pela porta de trás, deixaria um caminho dúbio a ser seguido, deixaria marcas inevitáveis, e por fim encontrar-se-ia preso, sem saída. Havia mais possibilidades. A janela. Pularia a janela. Era rápido, seguro. Já estava aberta, já que a porta estava fechada. Passar por ela seria fácil, é só voltar um pouco para trás, dar passos rápidos e fortes (dolorosos passos!) e atirar-se-ia contra aquele buraco na parede.
E quanto aos que deixaria naquele lugar, sozinhos os dois? Eles deram a vida à ela. Não fossem por eles, ela nunca teria existido. Nunca teria saído de uma simples ideia. Eles a completavam; sem eles era só metade. Ela não resistiria por muito tempo. Teve a ideia de encontrar outros braços para provar que ficaria livre daqueles dois e conseguiria então subsistir sozinha! Era reconfortante! Poderia partir, encontrar novos braços (e abraços) e lá poderia dormir, morar tranqüila. Caberia a ela, então, optar por ir ou ficar. Ela não enxergava o passado, não tinha um. Surgira por força daqueles dois. Então era fácil! Não havia mais o que fazer. Decidiu por partir. O caminho? A janela. Afastou-se um pouco. Eles começaram a discutir, olhavam-se nos olhos. As palavras saíam carregadas dos lábios deles, era até frívolo compartilhar aquilo tudo com eles. E brigavam por causa dela! Não doía nela, achava bom. Sentia-se cada vez mais poderosa. Firmou o chão, e com passos grosseiros, gritantes, estrondosos, rápidos e fortes, correu. Correu entre os gritos dos dois, entre as lágrimas dela e o orgulho dele, ambos ao chão. Atirou-se contra a janela. Despedaçou o fino vidro que cobria o buraco. Os cacos cortavam os dois que ficaram lá dentro, agora sem a relação que tinham, que acabara de jogar-se pela janela!
Estava, enfim, livre. Era isso que queria. Ia buscar novos braços e lábios onde pudesse existir de novo. Não relutava, aquela era sua escolha. Tinha que escolher um dos dois que estavam ali? Não! Podia ver pessoas novas relacionando-se, e ela ia entrar ali no meio, e pedir, implorar para ser acolhida. E começaria num beijo, um doce beijo! E ela teria uma nova vida, uma nova forma de ver. Afinal, ela era a mesma, o que mudaria eram as pessoas entre as quais ia meter-se. E foi o seu grande erro pensar desse jeito.
Ela cruza as pernas; ele, os braços. O espaço mudava de direção, junto com os olhares para onde se viravam. Era tudo novo, bastava mexer o corpo. Olhar distinto. Eram novas projeções formadas. Bastava afastar a cadeira para ter o novo ângulo. Um golpe de vista apenas! Merecia atenção? Não era teatro. Os papéis foram escolhidos, oficialmente. Representam muito bem! Ela, vestido vermelho, maquiagem borrada pelo choro, olhos inchados. Ele, paletó, gravata e aliança no dedo. O abismo separava; a relação, agora sem êxito nenhum, lograva a partir. Quem sabe iria pela porta da frente? Ela ia abrir, eles virar-se-iam e veriam o frio gritante lá fora entrar e atingir seus corpos. Tremeriam. Será que enfim iriam procurar-se? Calor humano! Mas nem sinal. Parece que o “entre” não queria sair daquele espaço, aquele curto metro que os separava. Seria aquele espaço “entre” os dois a relação? Onde estaria ela, afinal? Jogava-se aos pés dela, beijava-a implorando por salvação ou suplicava gritando na cabeça dele, pedindo o primeiro sinal?
Quem sabe sairia pela porta dos fundos! Desvencilhava-se, calmamente, e, de súbito, correria tão depressa daquele lugar que o próximo minuto passado já estava esquecido. Sem rastros, sem acusações de saída. Se saísse pela porta da frente, ia ser notada. Teria que abrir a porta, fazer barulho e deixá-los para trás, sem remorsos. Mas daria o próximo passo? Nos fundos, pelo menos, deixava alguma coisa, um caminho! Poderiam reencontrá-la. Pela frente, o mundo todo e várias pessoas. Pela porta de trás, deixaria um caminho dúbio a ser seguido, deixaria marcas inevitáveis, e por fim encontrar-se-ia preso, sem saída. Havia mais possibilidades. A janela. Pularia a janela. Era rápido, seguro. Já estava aberta, já que a porta estava fechada. Passar por ela seria fácil, é só voltar um pouco para trás, dar passos rápidos e fortes (dolorosos passos!) e atirar-se-ia contra aquele buraco na parede.
E quanto aos que deixaria naquele lugar, sozinhos os dois? Eles deram a vida à ela. Não fossem por eles, ela nunca teria existido. Nunca teria saído de uma simples ideia. Eles a completavam; sem eles era só metade. Ela não resistiria por muito tempo. Teve a ideia de encontrar outros braços para provar que ficaria livre daqueles dois e conseguiria então subsistir sozinha! Era reconfortante! Poderia partir, encontrar novos braços (e abraços) e lá poderia dormir, morar tranqüila. Caberia a ela, então, optar por ir ou ficar. Ela não enxergava o passado, não tinha um. Surgira por força daqueles dois. Então era fácil! Não havia mais o que fazer. Decidiu por partir. O caminho? A janela. Afastou-se um pouco. Eles começaram a discutir, olhavam-se nos olhos. As palavras saíam carregadas dos lábios deles, era até frívolo compartilhar aquilo tudo com eles. E brigavam por causa dela! Não doía nela, achava bom. Sentia-se cada vez mais poderosa. Firmou o chão, e com passos grosseiros, gritantes, estrondosos, rápidos e fortes, correu. Correu entre os gritos dos dois, entre as lágrimas dela e o orgulho dele, ambos ao chão. Atirou-se contra a janela. Despedaçou o fino vidro que cobria o buraco. Os cacos cortavam os dois que ficaram lá dentro, agora sem a relação que tinham, que acabara de jogar-se pela janela!
Estava, enfim, livre. Era isso que queria. Ia buscar novos braços e lábios onde pudesse existir de novo. Não relutava, aquela era sua escolha. Tinha que escolher um dos dois que estavam ali? Não! Podia ver pessoas novas relacionando-se, e ela ia entrar ali no meio, e pedir, implorar para ser acolhida. E começaria num beijo, um doce beijo! E ela teria uma nova vida, uma nova forma de ver. Afinal, ela era a mesma, o que mudaria eram as pessoas entre as quais ia meter-se. E foi o seu grande erro pensar desse jeito.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Fantasma
A noite estava calma, serena. Ela vem subindo a ladeira. Deserta, apenas ela vinha em uma direção concreta. Mas só a ladeira tinha o caminho concreto. Ao pé da ladeira, olhando lá de baixo, parecia um gigante adormecido. A tênue e trêmula luz da lua parecia querer iluminar alguma coisa. Aqueles raios incertos vinham tremer e pratear o caminho ao longo da ladeira. Passavam por ela, entrecortados por seus pensamentos, e desviavam-se em direções energicamente opostas da que ela havia escolhido aquela noite.
Cada passo descalça no gelado comprimento da ladeira, parecia em falso. A voz ecoava em sua cabeça, não lhe perturbava, mas era insistente. Não queria deixá-la. E nem ela queria deixar a voz. O choro agudo de um bebê não lhe causou nenhum tipo de sentimento de compaixão, ou algo próximo. Seguiu inabalável, sem se preocupar. Ela não mais ouvia o choro do bebê, mas deixava-se ouvir o crepitar pronto de seu próprio choro. Engolia-o. Divagar por entre aqueles lados, todas as noites, era seu destino.
O que ela via durante aquela travessia? Via imagens distorcidas daquilo que passou naquela ladeira. Os soluços constantes eram apenas suspiros interiores que a acompanhavam sempre. Eram suspiros românticos, que dentro em pouco iriam cessar. Quando chegasse ao seu destino. Gemidos surdos saltavam-lhe da boca, e misturavam-se aos soluços. Parecia estar numa sobrevida. As lágrimas queriam denunciá-la, e o confronto com os soluços e os gemidos foi quase insuportável.
Inevitável mesmo seria seu destino, já traçado há tempos atrás. Viver todas as noites do mesmo jeito era sua sina, atendendo às suplicas. A ladeira não lhe era estranha, então. Mas, mesmo passando todos os dias por ali, ela era a estranha da ladeira. Ouvia diversas estórias ao subir, mas não prestava atenção a elas. Faltava pouco para chegar ao ponto, já estava no alto da ladeira. E cada vez mais lágrimas invadiam-lhe por completo. Derramava-as sobre seus pés sujos e descalços, não enxugava-as.
Viu de longe a casa. Havia apenas uma pequena e fraca luz vinda de dentro daquelas paredes. Aproximou-se. Não conseguia acalmar-se, e seu choro parecia mais alto, mais forte ao se aproximar do local. A porta estava entre aberta, deixando visível apenas a penumbra. Olhou de fora para dentro e procurou. Ouviu o ranger da porta ao encostar-se nela. Viu o corpo estendido ao chão. Era ele. Caminhou à sua direção. Levantou sua cabeça, viu a face toda molhada e os olhos inchados. O caminho de lágrimas no tapete era visível. Estava cansado, havia dormido ali mesmo. Ela colocou o corpo sobre seu colo, e afagou-lhe os cabelos. Sussurrou no ouvido dele “Estou aqui. Atendi seu pedido.” Ele fez menção de abrir os olhos, ela os fechou com carinho. “Sonhe comigo” disse, enfim. E tirou o corpo dele, manchado por seu sangue, de cima de seu corpo frio e morto onde ele estava abraçado.
Cada passo descalça no gelado comprimento da ladeira, parecia em falso. A voz ecoava em sua cabeça, não lhe perturbava, mas era insistente. Não queria deixá-la. E nem ela queria deixar a voz. O choro agudo de um bebê não lhe causou nenhum tipo de sentimento de compaixão, ou algo próximo. Seguiu inabalável, sem se preocupar. Ela não mais ouvia o choro do bebê, mas deixava-se ouvir o crepitar pronto de seu próprio choro. Engolia-o. Divagar por entre aqueles lados, todas as noites, era seu destino.
O que ela via durante aquela travessia? Via imagens distorcidas daquilo que passou naquela ladeira. Os soluços constantes eram apenas suspiros interiores que a acompanhavam sempre. Eram suspiros românticos, que dentro em pouco iriam cessar. Quando chegasse ao seu destino. Gemidos surdos saltavam-lhe da boca, e misturavam-se aos soluços. Parecia estar numa sobrevida. As lágrimas queriam denunciá-la, e o confronto com os soluços e os gemidos foi quase insuportável.
Inevitável mesmo seria seu destino, já traçado há tempos atrás. Viver todas as noites do mesmo jeito era sua sina, atendendo às suplicas. A ladeira não lhe era estranha, então. Mas, mesmo passando todos os dias por ali, ela era a estranha da ladeira. Ouvia diversas estórias ao subir, mas não prestava atenção a elas. Faltava pouco para chegar ao ponto, já estava no alto da ladeira. E cada vez mais lágrimas invadiam-lhe por completo. Derramava-as sobre seus pés sujos e descalços, não enxugava-as.
Viu de longe a casa. Havia apenas uma pequena e fraca luz vinda de dentro daquelas paredes. Aproximou-se. Não conseguia acalmar-se, e seu choro parecia mais alto, mais forte ao se aproximar do local. A porta estava entre aberta, deixando visível apenas a penumbra. Olhou de fora para dentro e procurou. Ouviu o ranger da porta ao encostar-se nela. Viu o corpo estendido ao chão. Era ele. Caminhou à sua direção. Levantou sua cabeça, viu a face toda molhada e os olhos inchados. O caminho de lágrimas no tapete era visível. Estava cansado, havia dormido ali mesmo. Ela colocou o corpo sobre seu colo, e afagou-lhe os cabelos. Sussurrou no ouvido dele “Estou aqui. Atendi seu pedido.” Ele fez menção de abrir os olhos, ela os fechou com carinho. “Sonhe comigo” disse, enfim. E tirou o corpo dele, manchado por seu sangue, de cima de seu corpo frio e morto onde ele estava abraçado.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
A contadora de carros.
Um dia vou comprar um carro...
E passar na sua frente...
Só pra você me contar, também.
E passar na sua frente...
Só pra você me contar, também.
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