quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Mendigo

O Mendigo
por Matheus Rocha

Estava ali havia alguns minutos. Acabara de ver sua namorada subindo para o ônibus junto com sua prima. Agora, era ele que esperava o seu. Passavam pessoas, carros, motos, cães, gatos e outros ônibus. Nenhum deles era o que esperava. Naquele dia estava especialmente difícil. Era um final de semana, as pessoas conversavam sobre as coisas da televisão, que por sinal nada tinha de interessante naquele dia. O jovem, paciente, não demonstrava nenhum tipo de interesse nas coisas ao redor, assim como todos os outros ali naquela rua, pouco movimentado para àquela cidade. Ah, era fim de semana. Havia algumas farmácias abertas, alguns carrinhos de balas faziam ponto ainda àquela hora. Deveria estar tarde. Olhou o relógio pela décima vez desde que chegara ao ponto de ônibus. Não tinha se passado tanto tempo como pensara. É que o tempo dependia só dele, era o seu tempo! Só aparecia se olhasse para ele, para o relógio. Outras pessoas chegam ao ponto onde está, olham para o tráfego, fingem que não o vêem. Quando não conseguem, ou sentam-se ou puxam assunto. Foi o que aconteceu:
- Há muito tempo que você está aqui? – pergunta uma senhora de estatura baixa, óculos desgastados, um pouco corcunda e com pressa no olhar. Ela logo desvia o olhar. Ele hesitou, pensou um pouco.
- S-Sim... Eu acho. – ele não evitava. A velha resmungou qualquer coisa que ele não entendera, nem procurou entender. Ele voltou seu olhar para o tráfego que estava a sua frente, procurou no horizonte um ônibus. Logo a velha afastou-se. Ele a seguiu com os olhos, estava acompanhada com sua família. Procurou distração, mas naquele tempo, agradável até, era difícil distrair-se. Só o tráfego entediante e pessoas que iam e vinham sem nem se dar conta do que acontecia ao redor.
- Você viu se o ônibus da linha sete já passou? – perguntou uma voz, conhecida para ele. Virou-se e viu, de novo, a velha.
- Passou um há uns tempos. Penso que já passa outro, daqui a alguns instantes. – Ela virou-se e logo caminhou para o banco onde estava. Um ônibus parou no ponto onde estavam, mas não era nem o dele nem o de ninguém que por ali passava. Parecia ser o ônibus de outra cidade, próxima talvez aquela onde estivesse. Encostou a cabeça no poste ao seu lado, os olhos procuravam incessantemente alguma coisa que parecia fugir àquele tédio. Ia e voltava com os olhos, acompanhava os carros e as pessoas que passavam do outro lado da rua. Sentiu sede. Procurou nos bolsos algum trocado, só sentiu algumas moedas roçarem em seus dedos. Era o dinheiro de sua passagem. Não podia gastá-lo.
A noite estava agradável, era primavera, o clima estava ameno, o vento estava suave. Tinha passado uma ótima tarde. Estava tranqüilo, enfim. Passaram-se mais dois ônibus. Um deles parou para um passageiro subir e outro descer. Parecia uma troca! Um descia, outro subia. E as mesmas expressões impregnadas nas caricaturas daquela cidade, encostadas às janelas dos ônibus, cansadas por um final de semana inteiro, tendo em vista o dia de amanhã, o trabalho. Tudo o que tinha de mais perto do pensamento daquele dia era estar dentro de um ônibus, voltando pra casa. Mas de resto, era o pensamento chato de ir trabalhar na manhã seguinte. O tédio era a matéria-prima do final de semana das pessoas que ele vira, estava estampado em suas faces presas às janelas dos ônibus. Pareciam pender sempre que entravam, sentavam-se, davam uma rápida olhada pela janela, e... encostavam-se nela.
Outras pessoas aproximaram-se do ponto de ônibus. Uma mulher sentou-se num batente de uma loja. Tinha cabelos longos, ruivos, feições bem delineadas. Era fina. Tirou um cigarro da bolsa, puxou um isqueiro e acendeu. Sua face iluminou-se de súbito, e o cheiro da fumaça espalhou-se pelo ar rapidamente. Lugar aberto, logo passou. Ele observava as tragadas intermináveis e intermitentes da moça que sentara atrás dele. Um suspiro saiu dos lábios dela, suspiro cansado, logo se apagou. Junto com o cigarro. Jogou o toco de lado e levantou-se. Veio em sua direção. Ficou a dois passos de distância dele, um pouco a sua direita. A figura de um ônibus apontou, enfim. Ela estendeu o braço, o motorista parou no ponto. Ela subiu e prostrou-se no fim do ônibus. Ele apenas acompanhava com os olhos aquela figura distanciar-se do lugar onde estava. Poderia nunca mais vê-la, ou tornar a encontrá-la no mesmo ponto, quem sabe.
Viu um ônibus com o nome um pouco apagado parar no ponto e dele sair várias pessoas. Pessoas com seus tédios próprios e gerais ao mesmo tempo. Figuras e formas distintas, e o mesmo fundo. A cidade era indistinta para a maioria. Um em especial meneava a cabeça para todos os lados possíveis, parecia tentar captar algo que acontecia por ali. Era um sujeito maltrapilho, com suas vestes sujas e encardidas, um chapéu na cabeça e algo nas costas. Era um saco, um saco grande. Não fazia muito esforço para levar o saco, parecia não estar cheio. Subiu à calçada ainda meneando para todos os lados, foi de encontro ao ponto de ônibus onde estava recostado o jovem. Pareceu hesitar um pouco antes de fazer algum comentário. Dirigiu-se ao jovem.
- Estou perdido. As ruas não! Onde estou? – disse o sujeito. Estava bem próximo do jovem. Este pôde distinguir o hálito do homem à sua frente, tinha um leve teor alcoólico. Era pouco, mas tinha. Antes que o jovem eventualmente viesse a responder a pergunta feita por ele, ele completou – Estou no centro da cidade?
- Sim, está no centro da cidade. – Respondeu rapidamente o jovem. Percebeu uma movimentação de recuo em algo que estava no campo periférico de sua visão, um pouco turva daquele lado. Alguém recuou quando viu a aproximação do homem que descera do ônibus. Tornou a olhar para o homem. Este voltava a menear a cabeça como se procurasse algo conhecido em torno do lugar onde estava. Seu olhar parecia percorrer toda a extensão daquele lugar, passando pela praça à frente deles, e ia do outro lado da rua. Pareceu reconhecer algo.
- Vê o Banco? – apontou ele para um dos bancos mais conhecidos da cidade. Enfiou a mão nos bolsos como se fosse pegar algo e voltou a dizer – Não tem dinheiro, meu jovem! Pra que serve?! Não tem dinheiro!
O jovem agora ganhava uma atenção especial para com o mendigo. Algo o levava, o impulsionava na direção daquele indivíduo parado à sua frente. O homem logo continuou:
- Não tenho estudos. Estudei até o primário. Não tinha razões para continuar! Tive que sair e virei mendigo. – parou um pouco. Depois de um tempo, voltou – Não tenho dinheiro. Estou com fome. Onde posso encontrar algo para comer?
- Esta rua aqui é uma rua de restaurantes. Aí na esquina estão servindo jantar ainda. – retrucou o jovem encostado no ponto de ônibus. O mendigo virou um pouco e observou a rua que continuava atrás dele.
- Têm mesmo? Onde posso comer? – perguntou novamente o homem.
- Aí na esquina. Pode ir à porta. – apontou à frente. O homem fitou-o durante algum tempo. Parecia estar lembrando-se de algum detalhe importante. Sem muito esforço, perguntou outra vez:
- Aqui tem uma praça. Onde fica? A praça onde os mendigos dormem. Estou cansado. – Então não era a primeira vez dele ali na cidade. Mas nitidamente estava perdido. Isso se via em seus olhos. O jovem prostrou-se do lado do homem, segurou-lhe o ombro e apontou à frente. Seus olhos bateram com a Igreja. Então, via tudo! Sentiu uma estranha sensação. Era indefinível aquilo que se passava diante de seus olhos. Por um instante, e por apenas aquele instante, para àquele mendigo, ele tornara-se a pessoa mais importante da sua existência. Ele enfim respondeu:
- Está vendo aquela rua? – apontou para uma rua que estava à esquerda da Igreja. Ela subia. – Ela segue em diante. Siga-a. É só subir por ela e seguir direto. O senhor estará justamente na praça à qual se refere. – Terminou a frase e olhou para o mendigo. Havia um brilho diferente em seus olhos. Não o brilho de quem anda perdido por cidade que nem conhece direito, embora por ali já tivesse passado. Mas um brilho diferente. Um brilho de quem redescobre alguma coisa que parecia longe. O homem estendeu os braços, o jovem deu um passo à frente. Eles abraçaram-se. Um longo e forte abraço, por dois lados, pelas duas partes. O homem agradeceu longamente. O jovem apenas ouviu, sem nada dizer. Soltaram-se, então. Havia lágrimas nos olhos do jovem.
- Você é um rapaz estudado! Parabéns. Não tive esta oportunidade. Você é um rapaz muito bom. – disse o homem afastando-se e sorrindo pra ele – Obrigado! – bradou forte aquele mendigo. O jovem tornou a recostar-se em dado ponto, e logo viu o seu ônibus chegar. Oras, parecia só estar esperando aquele acontecimento passar! Ele subiu os degraus olhando para fora. Retirou as moedas do bolso e as entregou ao cobrador, que tinha um cara de tédio e cansaço. Correu para aponta do ônibus e observou da janela. Viu o homem ainda voltando, passou pelo ônibus, que já estava de partida. Deu uma última olhada da janela. Algumas pessoas haviam visto a cena, mas pouco caso fizeram dela. O ônibus começou a andar lentamente. Passou ainda pelo homem, olhou-o ainda uma vez. Despediu-se dele com o olhar ainda em água. Enxugou.
Depois daquele encontro, o jovem sentiu-se um estrangeiro na cidade, e passou a andar nas ruas como se desconhecesse aonde iriam. E no fim das contas, ninguém sabe realmente para onde vai. Só as ruas.

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