Os pensamentos vagavam pela sala, calma, vazia, límpida e clara. A posição de seu corpo denunciava o cansaço que era inerente ao final de semana. Fim de tarde, então. Ele, inerte. Observava. Ela, em outro canto, esperava. Não cairia dessa vez. Inevitável armadilha a de iniciar uma conversa! Nenhum esboçava uma reação clara, um sinal de ação, um começo. Na verdade, já havia começado. O ponto final, estranho assim chamar-se, iniciou a conversa. Vez por outra, os olhos encontravam-se. Olhavam-se, não se viam. Aquele olhar de quem olha de relance. O olhar de quem anda com um fone nos ouvidos, “atento” a tudo o que está ao redor. Olhar, apenas. E do tabuleiro ninguém movia uma pedra. As posições do espaço em que ocupavam trocavam-se em instantes precisos, mas nada de conversa. Desviavam a atenção para qualquer parte. As paredes tem ouvidos! Era inquietante saber. Não estavam sozinhos.
Ela cruza as pernas; ele, os braços. O espaço mudava de direção, junto com os olhares para onde se viravam. Era tudo novo, bastava mexer o corpo. Olhar distinto. Eram novas projeções formadas. Bastava afastar a cadeira para ter o novo ângulo. Um golpe de vista apenas! Merecia atenção? Não era teatro. Os papéis foram escolhidos, oficialmente. Representam muito bem! Ela, vestido vermelho, maquiagem borrada pelo choro, olhos inchados. Ele, paletó, gravata e aliança no dedo. O abismo separava; a relação, agora sem êxito nenhum, lograva a partir. Quem sabe iria pela porta da frente? Ela ia abrir, eles virar-se-iam e veriam o frio gritante lá fora entrar e atingir seus corpos. Tremeriam. Será que enfim iriam procurar-se? Calor humano! Mas nem sinal. Parece que o “entre” não queria sair daquele espaço, aquele curto metro que os separava. Seria aquele espaço “entre” os dois a relação? Onde estaria ela, afinal? Jogava-se aos pés dela, beijava-a implorando por salvação ou suplicava gritando na cabeça dele, pedindo o primeiro sinal?
Quem sabe sairia pela porta dos fundos! Desvencilhava-se, calmamente, e, de súbito, correria tão depressa daquele lugar que o próximo minuto passado já estava esquecido. Sem rastros, sem acusações de saída. Se saísse pela porta da frente, ia ser notada. Teria que abrir a porta, fazer barulho e deixá-los para trás, sem remorsos. Mas daria o próximo passo? Nos fundos, pelo menos, deixava alguma coisa, um caminho! Poderiam reencontrá-la. Pela frente, o mundo todo e várias pessoas. Pela porta de trás, deixaria um caminho dúbio a ser seguido, deixaria marcas inevitáveis, e por fim encontrar-se-ia preso, sem saída. Havia mais possibilidades. A janela. Pularia a janela. Era rápido, seguro. Já estava aberta, já que a porta estava fechada. Passar por ela seria fácil, é só voltar um pouco para trás, dar passos rápidos e fortes (dolorosos passos!) e atirar-se-ia contra aquele buraco na parede.
E quanto aos que deixaria naquele lugar, sozinhos os dois? Eles deram a vida à ela. Não fossem por eles, ela nunca teria existido. Nunca teria saído de uma simples ideia. Eles a completavam; sem eles era só metade. Ela não resistiria por muito tempo. Teve a ideia de encontrar outros braços para provar que ficaria livre daqueles dois e conseguiria então subsistir sozinha! Era reconfortante! Poderia partir, encontrar novos braços (e abraços) e lá poderia dormir, morar tranqüila. Caberia a ela, então, optar por ir ou ficar. Ela não enxergava o passado, não tinha um. Surgira por força daqueles dois. Então era fácil! Não havia mais o que fazer. Decidiu por partir. O caminho? A janela. Afastou-se um pouco. Eles começaram a discutir, olhavam-se nos olhos. As palavras saíam carregadas dos lábios deles, era até frívolo compartilhar aquilo tudo com eles. E brigavam por causa dela! Não doía nela, achava bom. Sentia-se cada vez mais poderosa. Firmou o chão, e com passos grosseiros, gritantes, estrondosos, rápidos e fortes, correu. Correu entre os gritos dos dois, entre as lágrimas dela e o orgulho dele, ambos ao chão. Atirou-se contra a janela. Despedaçou o fino vidro que cobria o buraco. Os cacos cortavam os dois que ficaram lá dentro, agora sem a relação que tinham, que acabara de jogar-se pela janela!
Estava, enfim, livre. Era isso que queria. Ia buscar novos braços e lábios onde pudesse existir de novo. Não relutava, aquela era sua escolha. Tinha que escolher um dos dois que estavam ali? Não! Podia ver pessoas novas relacionando-se, e ela ia entrar ali no meio, e pedir, implorar para ser acolhida. E começaria num beijo, um doce beijo! E ela teria uma nova vida, uma nova forma de ver. Afinal, ela era a mesma, o que mudaria eram as pessoas entre as quais ia meter-se. E foi o seu grande erro pensar desse jeito.
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