segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Fantasma

A noite estava calma, serena. Ela vem subindo a ladeira. Deserta, apenas ela vinha em uma direção concreta. Mas só a ladeira tinha o caminho concreto. Ao pé da ladeira, olhando lá de baixo, parecia um gigante adormecido. A tênue e trêmula luz da lua parecia querer iluminar alguma coisa. Aqueles raios incertos vinham tremer e pratear o caminho ao longo da ladeira. Passavam por ela, entrecortados por seus pensamentos, e desviavam-se em direções energicamente opostas da que ela havia escolhido aquela noite.
Cada passo descalça no gelado comprimento da ladeira, parecia em falso. A voz ecoava em sua cabeça, não lhe perturbava, mas era insistente. Não queria deixá-la. E nem ela queria deixar a voz. O choro agudo de um bebê não lhe causou nenhum tipo de sentimento de compaixão, ou algo próximo. Seguiu inabalável, sem se preocupar. Ela não mais ouvia o choro do bebê, mas deixava-se ouvir o crepitar pronto de seu próprio choro. Engolia-o. Divagar por entre aqueles lados, todas as noites, era seu destino.
O que ela via durante aquela travessia? Via imagens distorcidas daquilo que passou naquela ladeira. Os soluços constantes eram apenas suspiros interiores que a acompanhavam sempre. Eram suspiros românticos, que dentro em pouco iriam cessar. Quando chegasse ao seu destino. Gemidos surdos saltavam-lhe da boca, e misturavam-se aos soluços. Parecia estar numa sobrevida. As lágrimas queriam denunciá-la, e o confronto com os soluços e os gemidos foi quase insuportável.
Inevitável mesmo seria seu destino, já traçado há tempos atrás. Viver todas as noites do mesmo jeito era sua sina, atendendo às suplicas. A ladeira não lhe era estranha, então. Mas, mesmo passando todos os dias por ali, ela era a estranha da ladeira. Ouvia diversas estórias ao subir, mas não prestava atenção a elas. Faltava pouco para chegar ao ponto, já estava no alto da ladeira. E cada vez mais lágrimas invadiam-lhe por completo. Derramava-as sobre seus pés sujos e descalços, não enxugava-as.
Viu de longe a casa. Havia apenas uma pequena e fraca luz vinda de dentro daquelas paredes. Aproximou-se. Não conseguia acalmar-se, e seu choro parecia mais alto, mais forte ao se aproximar do local. A porta estava entre aberta, deixando visível apenas a penumbra. Olhou de fora para dentro e procurou. Ouviu o ranger da porta ao encostar-se nela. Viu o corpo estendido ao chão. Era ele. Caminhou à sua direção. Levantou sua cabeça, viu a face toda molhada e os olhos inchados. O caminho de lágrimas no tapete era visível. Estava cansado, havia dormido ali mesmo. Ela colocou o corpo sobre seu colo, e afagou-lhe os cabelos. Sussurrou no ouvido dele “Estou aqui. Atendi seu pedido.” Ele fez menção de abrir os olhos, ela os fechou com carinho. “Sonhe comigo” disse, enfim. E tirou o corpo dele, manchado por seu sangue, de cima de seu corpo frio e morto onde ele estava abraçado.

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