Ontem ou amanhã. Não hoje
E o tempo se esvai...
E meio que sem sentido
Perde em si mesmo
Aquele prazer obtido.
Ontem, era uma realidade.
Amanhã? Futuro ou causalidade...
Hoje, não se sabe...
sábado, 30 de outubro de 2010
Casal
Os pensamentos vagavam pela sala, calma, vazia, límpida e clara. A posição de seu corpo denunciava o cansaço que era inerente ao final de semana. Fim de tarde, então. Ele, inerte. Observava. Ela, em outro canto, esperava. Não cairia dessa vez. Inevitável armadilha a de iniciar uma conversa! Nenhum esboçava uma reação clara, um sinal de ação, um começo. Na verdade, já havia começado. O ponto final, estranho assim chamar-se, iniciou a conversa. Vez por outra, os olhos encontravam-se. Olhavam-se, não se viam. Aquele olhar de quem olha de relance. O olhar de quem anda com um fone nos ouvidos, “atento” a tudo o que está ao redor. Olhar, apenas. E do tabuleiro ninguém movia uma pedra. As posições do espaço em que ocupavam trocavam-se em instantes precisos, mas nada de conversa. Desviavam a atenção para qualquer parte. As paredes tem ouvidos! Era inquietante saber. Não estavam sozinhos.
Ela cruza as pernas; ele, os braços. O espaço mudava de direção, junto com os olhares para onde se viravam. Era tudo novo, bastava mexer o corpo. Olhar distinto. Eram novas projeções formadas. Bastava afastar a cadeira para ter o novo ângulo. Um golpe de vista apenas! Merecia atenção? Não era teatro. Os papéis foram escolhidos, oficialmente. Representam muito bem! Ela, vestido vermelho, maquiagem borrada pelo choro, olhos inchados. Ele, paletó, gravata e aliança no dedo. O abismo separava; a relação, agora sem êxito nenhum, lograva a partir. Quem sabe iria pela porta da frente? Ela ia abrir, eles virar-se-iam e veriam o frio gritante lá fora entrar e atingir seus corpos. Tremeriam. Será que enfim iriam procurar-se? Calor humano! Mas nem sinal. Parece que o “entre” não queria sair daquele espaço, aquele curto metro que os separava. Seria aquele espaço “entre” os dois a relação? Onde estaria ela, afinal? Jogava-se aos pés dela, beijava-a implorando por salvação ou suplicava gritando na cabeça dele, pedindo o primeiro sinal?
Quem sabe sairia pela porta dos fundos! Desvencilhava-se, calmamente, e, de súbito, correria tão depressa daquele lugar que o próximo minuto passado já estava esquecido. Sem rastros, sem acusações de saída. Se saísse pela porta da frente, ia ser notada. Teria que abrir a porta, fazer barulho e deixá-los para trás, sem remorsos. Mas daria o próximo passo? Nos fundos, pelo menos, deixava alguma coisa, um caminho! Poderiam reencontrá-la. Pela frente, o mundo todo e várias pessoas. Pela porta de trás, deixaria um caminho dúbio a ser seguido, deixaria marcas inevitáveis, e por fim encontrar-se-ia preso, sem saída. Havia mais possibilidades. A janela. Pularia a janela. Era rápido, seguro. Já estava aberta, já que a porta estava fechada. Passar por ela seria fácil, é só voltar um pouco para trás, dar passos rápidos e fortes (dolorosos passos!) e atirar-se-ia contra aquele buraco na parede.
E quanto aos que deixaria naquele lugar, sozinhos os dois? Eles deram a vida à ela. Não fossem por eles, ela nunca teria existido. Nunca teria saído de uma simples ideia. Eles a completavam; sem eles era só metade. Ela não resistiria por muito tempo. Teve a ideia de encontrar outros braços para provar que ficaria livre daqueles dois e conseguiria então subsistir sozinha! Era reconfortante! Poderia partir, encontrar novos braços (e abraços) e lá poderia dormir, morar tranqüila. Caberia a ela, então, optar por ir ou ficar. Ela não enxergava o passado, não tinha um. Surgira por força daqueles dois. Então era fácil! Não havia mais o que fazer. Decidiu por partir. O caminho? A janela. Afastou-se um pouco. Eles começaram a discutir, olhavam-se nos olhos. As palavras saíam carregadas dos lábios deles, era até frívolo compartilhar aquilo tudo com eles. E brigavam por causa dela! Não doía nela, achava bom. Sentia-se cada vez mais poderosa. Firmou o chão, e com passos grosseiros, gritantes, estrondosos, rápidos e fortes, correu. Correu entre os gritos dos dois, entre as lágrimas dela e o orgulho dele, ambos ao chão. Atirou-se contra a janela. Despedaçou o fino vidro que cobria o buraco. Os cacos cortavam os dois que ficaram lá dentro, agora sem a relação que tinham, que acabara de jogar-se pela janela!
Estava, enfim, livre. Era isso que queria. Ia buscar novos braços e lábios onde pudesse existir de novo. Não relutava, aquela era sua escolha. Tinha que escolher um dos dois que estavam ali? Não! Podia ver pessoas novas relacionando-se, e ela ia entrar ali no meio, e pedir, implorar para ser acolhida. E começaria num beijo, um doce beijo! E ela teria uma nova vida, uma nova forma de ver. Afinal, ela era a mesma, o que mudaria eram as pessoas entre as quais ia meter-se. E foi o seu grande erro pensar desse jeito.
Ela cruza as pernas; ele, os braços. O espaço mudava de direção, junto com os olhares para onde se viravam. Era tudo novo, bastava mexer o corpo. Olhar distinto. Eram novas projeções formadas. Bastava afastar a cadeira para ter o novo ângulo. Um golpe de vista apenas! Merecia atenção? Não era teatro. Os papéis foram escolhidos, oficialmente. Representam muito bem! Ela, vestido vermelho, maquiagem borrada pelo choro, olhos inchados. Ele, paletó, gravata e aliança no dedo. O abismo separava; a relação, agora sem êxito nenhum, lograva a partir. Quem sabe iria pela porta da frente? Ela ia abrir, eles virar-se-iam e veriam o frio gritante lá fora entrar e atingir seus corpos. Tremeriam. Será que enfim iriam procurar-se? Calor humano! Mas nem sinal. Parece que o “entre” não queria sair daquele espaço, aquele curto metro que os separava. Seria aquele espaço “entre” os dois a relação? Onde estaria ela, afinal? Jogava-se aos pés dela, beijava-a implorando por salvação ou suplicava gritando na cabeça dele, pedindo o primeiro sinal?
Quem sabe sairia pela porta dos fundos! Desvencilhava-se, calmamente, e, de súbito, correria tão depressa daquele lugar que o próximo minuto passado já estava esquecido. Sem rastros, sem acusações de saída. Se saísse pela porta da frente, ia ser notada. Teria que abrir a porta, fazer barulho e deixá-los para trás, sem remorsos. Mas daria o próximo passo? Nos fundos, pelo menos, deixava alguma coisa, um caminho! Poderiam reencontrá-la. Pela frente, o mundo todo e várias pessoas. Pela porta de trás, deixaria um caminho dúbio a ser seguido, deixaria marcas inevitáveis, e por fim encontrar-se-ia preso, sem saída. Havia mais possibilidades. A janela. Pularia a janela. Era rápido, seguro. Já estava aberta, já que a porta estava fechada. Passar por ela seria fácil, é só voltar um pouco para trás, dar passos rápidos e fortes (dolorosos passos!) e atirar-se-ia contra aquele buraco na parede.
E quanto aos que deixaria naquele lugar, sozinhos os dois? Eles deram a vida à ela. Não fossem por eles, ela nunca teria existido. Nunca teria saído de uma simples ideia. Eles a completavam; sem eles era só metade. Ela não resistiria por muito tempo. Teve a ideia de encontrar outros braços para provar que ficaria livre daqueles dois e conseguiria então subsistir sozinha! Era reconfortante! Poderia partir, encontrar novos braços (e abraços) e lá poderia dormir, morar tranqüila. Caberia a ela, então, optar por ir ou ficar. Ela não enxergava o passado, não tinha um. Surgira por força daqueles dois. Então era fácil! Não havia mais o que fazer. Decidiu por partir. O caminho? A janela. Afastou-se um pouco. Eles começaram a discutir, olhavam-se nos olhos. As palavras saíam carregadas dos lábios deles, era até frívolo compartilhar aquilo tudo com eles. E brigavam por causa dela! Não doía nela, achava bom. Sentia-se cada vez mais poderosa. Firmou o chão, e com passos grosseiros, gritantes, estrondosos, rápidos e fortes, correu. Correu entre os gritos dos dois, entre as lágrimas dela e o orgulho dele, ambos ao chão. Atirou-se contra a janela. Despedaçou o fino vidro que cobria o buraco. Os cacos cortavam os dois que ficaram lá dentro, agora sem a relação que tinham, que acabara de jogar-se pela janela!
Estava, enfim, livre. Era isso que queria. Ia buscar novos braços e lábios onde pudesse existir de novo. Não relutava, aquela era sua escolha. Tinha que escolher um dos dois que estavam ali? Não! Podia ver pessoas novas relacionando-se, e ela ia entrar ali no meio, e pedir, implorar para ser acolhida. E começaria num beijo, um doce beijo! E ela teria uma nova vida, uma nova forma de ver. Afinal, ela era a mesma, o que mudaria eram as pessoas entre as quais ia meter-se. E foi o seu grande erro pensar desse jeito.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Fantasma
A noite estava calma, serena. Ela vem subindo a ladeira. Deserta, apenas ela vinha em uma direção concreta. Mas só a ladeira tinha o caminho concreto. Ao pé da ladeira, olhando lá de baixo, parecia um gigante adormecido. A tênue e trêmula luz da lua parecia querer iluminar alguma coisa. Aqueles raios incertos vinham tremer e pratear o caminho ao longo da ladeira. Passavam por ela, entrecortados por seus pensamentos, e desviavam-se em direções energicamente opostas da que ela havia escolhido aquela noite.
Cada passo descalça no gelado comprimento da ladeira, parecia em falso. A voz ecoava em sua cabeça, não lhe perturbava, mas era insistente. Não queria deixá-la. E nem ela queria deixar a voz. O choro agudo de um bebê não lhe causou nenhum tipo de sentimento de compaixão, ou algo próximo. Seguiu inabalável, sem se preocupar. Ela não mais ouvia o choro do bebê, mas deixava-se ouvir o crepitar pronto de seu próprio choro. Engolia-o. Divagar por entre aqueles lados, todas as noites, era seu destino.
O que ela via durante aquela travessia? Via imagens distorcidas daquilo que passou naquela ladeira. Os soluços constantes eram apenas suspiros interiores que a acompanhavam sempre. Eram suspiros românticos, que dentro em pouco iriam cessar. Quando chegasse ao seu destino. Gemidos surdos saltavam-lhe da boca, e misturavam-se aos soluços. Parecia estar numa sobrevida. As lágrimas queriam denunciá-la, e o confronto com os soluços e os gemidos foi quase insuportável.
Inevitável mesmo seria seu destino, já traçado há tempos atrás. Viver todas as noites do mesmo jeito era sua sina, atendendo às suplicas. A ladeira não lhe era estranha, então. Mas, mesmo passando todos os dias por ali, ela era a estranha da ladeira. Ouvia diversas estórias ao subir, mas não prestava atenção a elas. Faltava pouco para chegar ao ponto, já estava no alto da ladeira. E cada vez mais lágrimas invadiam-lhe por completo. Derramava-as sobre seus pés sujos e descalços, não enxugava-as.
Viu de longe a casa. Havia apenas uma pequena e fraca luz vinda de dentro daquelas paredes. Aproximou-se. Não conseguia acalmar-se, e seu choro parecia mais alto, mais forte ao se aproximar do local. A porta estava entre aberta, deixando visível apenas a penumbra. Olhou de fora para dentro e procurou. Ouviu o ranger da porta ao encostar-se nela. Viu o corpo estendido ao chão. Era ele. Caminhou à sua direção. Levantou sua cabeça, viu a face toda molhada e os olhos inchados. O caminho de lágrimas no tapete era visível. Estava cansado, havia dormido ali mesmo. Ela colocou o corpo sobre seu colo, e afagou-lhe os cabelos. Sussurrou no ouvido dele “Estou aqui. Atendi seu pedido.” Ele fez menção de abrir os olhos, ela os fechou com carinho. “Sonhe comigo” disse, enfim. E tirou o corpo dele, manchado por seu sangue, de cima de seu corpo frio e morto onde ele estava abraçado.
Cada passo descalça no gelado comprimento da ladeira, parecia em falso. A voz ecoava em sua cabeça, não lhe perturbava, mas era insistente. Não queria deixá-la. E nem ela queria deixar a voz. O choro agudo de um bebê não lhe causou nenhum tipo de sentimento de compaixão, ou algo próximo. Seguiu inabalável, sem se preocupar. Ela não mais ouvia o choro do bebê, mas deixava-se ouvir o crepitar pronto de seu próprio choro. Engolia-o. Divagar por entre aqueles lados, todas as noites, era seu destino.
O que ela via durante aquela travessia? Via imagens distorcidas daquilo que passou naquela ladeira. Os soluços constantes eram apenas suspiros interiores que a acompanhavam sempre. Eram suspiros românticos, que dentro em pouco iriam cessar. Quando chegasse ao seu destino. Gemidos surdos saltavam-lhe da boca, e misturavam-se aos soluços. Parecia estar numa sobrevida. As lágrimas queriam denunciá-la, e o confronto com os soluços e os gemidos foi quase insuportável.
Inevitável mesmo seria seu destino, já traçado há tempos atrás. Viver todas as noites do mesmo jeito era sua sina, atendendo às suplicas. A ladeira não lhe era estranha, então. Mas, mesmo passando todos os dias por ali, ela era a estranha da ladeira. Ouvia diversas estórias ao subir, mas não prestava atenção a elas. Faltava pouco para chegar ao ponto, já estava no alto da ladeira. E cada vez mais lágrimas invadiam-lhe por completo. Derramava-as sobre seus pés sujos e descalços, não enxugava-as.
Viu de longe a casa. Havia apenas uma pequena e fraca luz vinda de dentro daquelas paredes. Aproximou-se. Não conseguia acalmar-se, e seu choro parecia mais alto, mais forte ao se aproximar do local. A porta estava entre aberta, deixando visível apenas a penumbra. Olhou de fora para dentro e procurou. Ouviu o ranger da porta ao encostar-se nela. Viu o corpo estendido ao chão. Era ele. Caminhou à sua direção. Levantou sua cabeça, viu a face toda molhada e os olhos inchados. O caminho de lágrimas no tapete era visível. Estava cansado, havia dormido ali mesmo. Ela colocou o corpo sobre seu colo, e afagou-lhe os cabelos. Sussurrou no ouvido dele “Estou aqui. Atendi seu pedido.” Ele fez menção de abrir os olhos, ela os fechou com carinho. “Sonhe comigo” disse, enfim. E tirou o corpo dele, manchado por seu sangue, de cima de seu corpo frio e morto onde ele estava abraçado.
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