Um dia vou comprar um carro...
E passar na sua frente...
Só pra você me contar, também.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Vazio
É mais uma noite vaga.
Minha única alternativa
É o sono, a cama, a calma.
E mais um dia me passa.
Com ele vai o desejo,
O beijo e a alma.
Minha única alternativa
É o sono, a cama, a calma.
E mais um dia me passa.
Com ele vai o desejo,
O beijo e a alma.
domingo, 12 de setembro de 2010
O Andarilho e a Musa
O Andarilho e a Musa
por Matheus Rocha
I – O Andarilho
Pouco se sabia sobre ele. Era um andarilho da noite. Quase um eremita. Sua longa barba e suas vestes longas e negras eram suas marcas. Sabia-se que gostava de beber vinho. Não era um beberrão, não do tipo que bebia até cair. Solitário, por sinal. Mal se via ele com outras pessoas, a não ser se estivesse num bar, mas ninguém junto a ele. Tampouco era chato. Por beber solitariamente nas tavernas, era silencioso. Mal reclamava.
Morava num quarto de pensão, alugado. Apesar de morar num lugar fixo na cidade, era conhecido como andarilho. Fazia suas andanças pela cidade, principalmente à noite. Tinha poucos pertences. Levava consigo sua túnica que usava, um pequeno baú, um caderno com penas e tintas e um alforje. Dinheiro também não parecia ser problema, já que pagava em dia a pensão e as bebidas. Bebia não para afastar os males. Mais parecia um romântico neoplatônico. Apesar de sua aparência ser a de um velho senhor, seu espírito, este sim, era o de um jovem amante! Amante da bebida e das mulheres. Não era um cafajeste.
Bebia mais à noite. Parecia não ter nenhuma ocupação fixa, apesar do dinheiro, que não se sabia de onde o velho tirava. Durante o dia, escrevia em seu caderno, que mais parecia ser um diário próprio. Não recebia visitas, parecia não ter parentes próximos. Na cidade se dizia que era um doente, não sabia nem quem era. Ele nem ligava.
Certa feita, tal homem, após suas lendárias excursões noite e madrugada adentro, encontrava-se andando, solitário como havia de ser, numa das ruas mais movimentadas da pequena cidade, uma rua cheia de tavernas. Entrou numa que diria ser uma casa abandonada, se não fosse pelo movimento constante que se encontrava.
Adentro do estabelecimento quase cheio, o andarilho sentou-se num lugar longínquo e escuro da taverna, onde a intensidade da luz, embora vinda de lampiões e castiçais cheios, era fraca. Lá ficou por longos e demorados minutos, parecia comovido. Sua expressão absorta quase o denunciava. O movimento na taverna crescia cada vez mais a todo o momento, as conversas em tom alto, quase estrondeante dos ébrios ali presentes, o barulho de copos quebrando... Nada parecia incomodar o velho.
Depois de certo tempo em tal estado, levantou-se, como se estivesse acabando de sair de um transe, um estado sonolento profundo. Foi até o balcão da taverna e pediu um bom vinho, se possível dos mais velhos. O taberneiro, já com a paciência esgotada de trabalhar a noite toda, quase o escorraçou de lá. Falou várias ladainhas, dessas que só se escutam em tavernas.
Talvez a forma mal trapilha do velho devesse causar uma má impressão a quem o visse. Pensou ele ser o motivo de tal atentado. Ele se explicou:
- Caro colega, não vim discutir com vossa senhoria. Não sou nenhum desses transeuntes que por aqui passam. Quero apenas uma taça de um bom vinho. Nada mais.
O andarilho agradeceu ao taberneiro e entregou-lhe as moedas pagas pela taça, que quando as viu tratou logo de ir buscar a taça e enchê-la de vinho. O velho homem escorou-se no balcão e tomou calmamente o vinho, enquanto a taverna, cheia de fanfarrões como disse, continuava o barulho ensurdecedor. Depois da taça, pediu licença ao taberneiro e se retirou, deixando a taverna e seus barulhos para trás.
Ao sair, percebeu que já se aproximava o alvorecer. Já era hora de voltar à pensão, afinal a noite foi bastante longa.
II – Encantos oníricos
Estava andando pela rua, já havia clareado um pouco. Seus olhos pareciam lacrimejar um pouco, seu rosto estava mais vivaz, mais rubro. Viu-se diante de um jardim florido, numa linda praça, com os pássaros anunciando a chegada do sol. A bela visão fez com que o homem andasse mais depressa ao encontro de tal majestoso local. Se estivesse no deserto, diria que era um oásis.
Que belo lugar! Apesar de certo estado de embriaguez, podia garantir que sempre passara por aquele local, mas nunca tinha percebido sua beleza! Entregou-se aos encantos doces de tal paisagem. Parecia um desbravador naquele local, quis conhecer a área onde estava situado, e preocupou-se logo de começar a andar em volta.
Quantos dias em sua vida teriam de ser pagos por uma visão como aquela? Nada no mundo poderia ser maior do que aquilo à sua frente! De súbito, viu-se tremendamente errado quanto às frases antes ditas. Na verdade, seus olhos pararam na visão mais bela que podia um homem ter visto em toda sua tenra existência.
Era incrível o encanto sentido naquele doce momento. Ela estava lá, andando por entre as flores. Parecia se confundir com elas, tal era sua beleza. Majestosa. Imponente. Ele sentiu-se fraco, incapaz diante dela, embora estivesse bastante longe dela. Não acreditou. Não dava pra ver direito. Não era possível, era uma ilusão! Tentou chegar mais perto, andou um pouco, até seus olhos verem com nitidez. Não era ilusão. Tentou chegar mais perto, suas pernas não conseguiam se mover, parecia um velha estátua.
Ela se virou. Ah! Que encantadora! Ele sentiu certa vertigem ao vê-la. Era realmente de uma beleza estonteante, qualquer homem ficaria em tal estado. Seu coração estava cada vez mais acelerado, suava frio, não se movia... Tentou mais um passo, nada. A imagem que estava diante dele parecia agora se distanciar. “Oh, não! Não façais isso com este pobre homem que te suplica! Diz-me pelo menos teu nome, se é que tens nome, ó linda criatura encantadora!”
Tentou correr atrás dela, suas pernas nem se moviam direito, no primeiro passo dado caiu... E acordou.
III – Do encontro
Qual não foi sua decepção ao ver que tudo se passava num sonho? Parecia ter raiva de si. Porque acordar de um sonho tão lindo como aquele? Ah, se pudesse voltar ao sonho, ver de novo a imagem da linda mulher ali presente. Lamentou por todo o resto do tempo ter acordado de tal visão. Afinal, quem era ela? Isso se ela realmente existir, é claro. Não idealizara tudo aquilo?
Abriu a janela. O dia já estava mais claro. O sol que antes estava encoberto por nuvens agora já se deixava ver, penetrando em seus raios as janelas dos cômodos. A velha casa onde havia se instalado desde alguns meses atrás, para ser mais preciso desde que chegou à pacata cidade, mantinha um jardim perfeitamente cultivado, junto a um pomar, de onde se tirava a refeição dos inquilinos. Havia também uma fonte, decorada por uma estátua angelical em seu centro.
Seu aposento era pequeno, mas bem decorado lugar. Tinha apenas a cama e um pequeno armário, a janela e o seu pequeno baú. Desceu com certa pressa a escada, logo chegou ao lado de fora da pensão. Banhou seu rosto com a água da fonte, despertou um pouco sua expressão sonolenta. As imagens de seu sonho não lhe saíam da cabeça. Tratou logo de apressar-se e ir colher alguns frutos para a ceia matinal. Estava com fome.
O pequeno pomar cultivado era bem produtivo, dava bons frutos e era comum à todos da casa. Cada um tinha uma tarefa, afinal, estavam ali alojados e tinham que contribuir de alguma forma. Às tarefas que lhe eram incumbidas, o andarilho fazia com total gosto. Era muito cuidadoso com o pomar e um pouco ciumento quanto a seu aposento. Fez suas tarefas bem feitas, como sempre, mas as imagens não lhe saíam, nem sequer conseguia se distrair direito, tudo a lembrava.
Passara o resto do dia recluso em seu quarto, lembrando do sonho que teve na noite passada. Que grande sorte a dele sonhar com tal ser! Sentiu certa avareza, ao pensar em tal musa. Queria só pra ele os prazeres oferecidos por aquela encantadora. Mas, como pensar nisso, se foi tudo um sonho? Oh! Que profundo pesar abateu-se em sua alma ao passar por sua cabeça tal raciocínio! O pôr-do-sol de aproximava quando o velho andarilho decidiu sair de seu quarto. O salão de festas do casarão estava repleto de gente, para todos os gostos. Haviam mesas cheias de frutas e bebida. Ignorou por completo tal situação e saiu às pressas.
No seu caminhar notava-se um profundo ressentimento. Seus passos agora lentos e sempre silenciosos faziam dele quase um ancião. Parecia uma pobre alma a penar e assombrar a cidade. Com o velho tempo de outono, o vento estava um pouco mais frio do que o habitual, e era forte. Haviam folhas caídas por todos os lados, as árvores estavam desnudas. O céu já dava menções de que logo iria escurecer. Era o prenúncio de uma noite longa para o velho. Queria ele não mais ter acordado depois do sonho! Que bela imagem de fim de vida teria ele! Na tranqüilidade serena, na qual iria descansar, e com a mais bela vista jamais imaginada! Viu o orgulho bater de fronte a seu peito nessa hora.
Em sua penosa caminhada, não observara as belas paisagens ao longo de seu trajeto, coisa que tanto gostava de fazer. Era capaz de morrer de desgosto no estado em que estava? Não sabia, mas sentiu lá no fundo uma pontada. Queria isto dizer que sim? “E porque não morri antes de ter acordado!” Aceitaria com total resignação aquele primeiro fim depois do sonho!
A noite já caíra. Procurou um lugar para ficar. Avistou uma bela praça, florida, com bancos de mármore. Procurou sentar-se em um dos bancos. Um casal andava pela praça tranquilamente, de mãos dadas. Dois enamorados, laçados pelo destino! O andarilho sentiu cair uma lágrima quando viu o casal. Quanta angústia se debatia em seu ser! Será que algum deles sabia o que se passava com o outro, ou estavam juntos por simples idéia de estar? Ah, nada no mundo lhe fazia tanta falta quanto aqueles doces minutos (ou segundos?) que passara sonhando! Em seu lugar qualquer um sentiria o mesmo. Desatou a chorar como uma criança quando lhe tiram os doces. Se nos déssemos conta do que se passa em tais situações!
Saltou desesperado do banco. Estava agora em profusa loucura de espírito. Corria vagamente sem direção certa. Aquilo o consumia de dentro para fora. Seu estado exterior era péssimo. Quem o visse de fora diria que era maluco, um lunático. Mas ninguém sabe quais as verdadeiras razões que movem o espírito humano para tal ponto. Sabe-se que após essa noite na praça, nunca mais foi visto o pobre velho andarilho.
por Matheus Rocha
I – O Andarilho
Pouco se sabia sobre ele. Era um andarilho da noite. Quase um eremita. Sua longa barba e suas vestes longas e negras eram suas marcas. Sabia-se que gostava de beber vinho. Não era um beberrão, não do tipo que bebia até cair. Solitário, por sinal. Mal se via ele com outras pessoas, a não ser se estivesse num bar, mas ninguém junto a ele. Tampouco era chato. Por beber solitariamente nas tavernas, era silencioso. Mal reclamava.
Morava num quarto de pensão, alugado. Apesar de morar num lugar fixo na cidade, era conhecido como andarilho. Fazia suas andanças pela cidade, principalmente à noite. Tinha poucos pertences. Levava consigo sua túnica que usava, um pequeno baú, um caderno com penas e tintas e um alforje. Dinheiro também não parecia ser problema, já que pagava em dia a pensão e as bebidas. Bebia não para afastar os males. Mais parecia um romântico neoplatônico. Apesar de sua aparência ser a de um velho senhor, seu espírito, este sim, era o de um jovem amante! Amante da bebida e das mulheres. Não era um cafajeste.
Bebia mais à noite. Parecia não ter nenhuma ocupação fixa, apesar do dinheiro, que não se sabia de onde o velho tirava. Durante o dia, escrevia em seu caderno, que mais parecia ser um diário próprio. Não recebia visitas, parecia não ter parentes próximos. Na cidade se dizia que era um doente, não sabia nem quem era. Ele nem ligava.
Certa feita, tal homem, após suas lendárias excursões noite e madrugada adentro, encontrava-se andando, solitário como havia de ser, numa das ruas mais movimentadas da pequena cidade, uma rua cheia de tavernas. Entrou numa que diria ser uma casa abandonada, se não fosse pelo movimento constante que se encontrava.
Adentro do estabelecimento quase cheio, o andarilho sentou-se num lugar longínquo e escuro da taverna, onde a intensidade da luz, embora vinda de lampiões e castiçais cheios, era fraca. Lá ficou por longos e demorados minutos, parecia comovido. Sua expressão absorta quase o denunciava. O movimento na taverna crescia cada vez mais a todo o momento, as conversas em tom alto, quase estrondeante dos ébrios ali presentes, o barulho de copos quebrando... Nada parecia incomodar o velho.
Depois de certo tempo em tal estado, levantou-se, como se estivesse acabando de sair de um transe, um estado sonolento profundo. Foi até o balcão da taverna e pediu um bom vinho, se possível dos mais velhos. O taberneiro, já com a paciência esgotada de trabalhar a noite toda, quase o escorraçou de lá. Falou várias ladainhas, dessas que só se escutam em tavernas.
Talvez a forma mal trapilha do velho devesse causar uma má impressão a quem o visse. Pensou ele ser o motivo de tal atentado. Ele se explicou:
- Caro colega, não vim discutir com vossa senhoria. Não sou nenhum desses transeuntes que por aqui passam. Quero apenas uma taça de um bom vinho. Nada mais.
O andarilho agradeceu ao taberneiro e entregou-lhe as moedas pagas pela taça, que quando as viu tratou logo de ir buscar a taça e enchê-la de vinho. O velho homem escorou-se no balcão e tomou calmamente o vinho, enquanto a taverna, cheia de fanfarrões como disse, continuava o barulho ensurdecedor. Depois da taça, pediu licença ao taberneiro e se retirou, deixando a taverna e seus barulhos para trás.
Ao sair, percebeu que já se aproximava o alvorecer. Já era hora de voltar à pensão, afinal a noite foi bastante longa.
II – Encantos oníricos
Estava andando pela rua, já havia clareado um pouco. Seus olhos pareciam lacrimejar um pouco, seu rosto estava mais vivaz, mais rubro. Viu-se diante de um jardim florido, numa linda praça, com os pássaros anunciando a chegada do sol. A bela visão fez com que o homem andasse mais depressa ao encontro de tal majestoso local. Se estivesse no deserto, diria que era um oásis.
Que belo lugar! Apesar de certo estado de embriaguez, podia garantir que sempre passara por aquele local, mas nunca tinha percebido sua beleza! Entregou-se aos encantos doces de tal paisagem. Parecia um desbravador naquele local, quis conhecer a área onde estava situado, e preocupou-se logo de começar a andar em volta.
Quantos dias em sua vida teriam de ser pagos por uma visão como aquela? Nada no mundo poderia ser maior do que aquilo à sua frente! De súbito, viu-se tremendamente errado quanto às frases antes ditas. Na verdade, seus olhos pararam na visão mais bela que podia um homem ter visto em toda sua tenra existência.
Era incrível o encanto sentido naquele doce momento. Ela estava lá, andando por entre as flores. Parecia se confundir com elas, tal era sua beleza. Majestosa. Imponente. Ele sentiu-se fraco, incapaz diante dela, embora estivesse bastante longe dela. Não acreditou. Não dava pra ver direito. Não era possível, era uma ilusão! Tentou chegar mais perto, andou um pouco, até seus olhos verem com nitidez. Não era ilusão. Tentou chegar mais perto, suas pernas não conseguiam se mover, parecia um velha estátua.
Ela se virou. Ah! Que encantadora! Ele sentiu certa vertigem ao vê-la. Era realmente de uma beleza estonteante, qualquer homem ficaria em tal estado. Seu coração estava cada vez mais acelerado, suava frio, não se movia... Tentou mais um passo, nada. A imagem que estava diante dele parecia agora se distanciar. “Oh, não! Não façais isso com este pobre homem que te suplica! Diz-me pelo menos teu nome, se é que tens nome, ó linda criatura encantadora!”
Tentou correr atrás dela, suas pernas nem se moviam direito, no primeiro passo dado caiu... E acordou.
III – Do encontro
Qual não foi sua decepção ao ver que tudo se passava num sonho? Parecia ter raiva de si. Porque acordar de um sonho tão lindo como aquele? Ah, se pudesse voltar ao sonho, ver de novo a imagem da linda mulher ali presente. Lamentou por todo o resto do tempo ter acordado de tal visão. Afinal, quem era ela? Isso se ela realmente existir, é claro. Não idealizara tudo aquilo?
Abriu a janela. O dia já estava mais claro. O sol que antes estava encoberto por nuvens agora já se deixava ver, penetrando em seus raios as janelas dos cômodos. A velha casa onde havia se instalado desde alguns meses atrás, para ser mais preciso desde que chegou à pacata cidade, mantinha um jardim perfeitamente cultivado, junto a um pomar, de onde se tirava a refeição dos inquilinos. Havia também uma fonte, decorada por uma estátua angelical em seu centro.
Seu aposento era pequeno, mas bem decorado lugar. Tinha apenas a cama e um pequeno armário, a janela e o seu pequeno baú. Desceu com certa pressa a escada, logo chegou ao lado de fora da pensão. Banhou seu rosto com a água da fonte, despertou um pouco sua expressão sonolenta. As imagens de seu sonho não lhe saíam da cabeça. Tratou logo de apressar-se e ir colher alguns frutos para a ceia matinal. Estava com fome.
O pequeno pomar cultivado era bem produtivo, dava bons frutos e era comum à todos da casa. Cada um tinha uma tarefa, afinal, estavam ali alojados e tinham que contribuir de alguma forma. Às tarefas que lhe eram incumbidas, o andarilho fazia com total gosto. Era muito cuidadoso com o pomar e um pouco ciumento quanto a seu aposento. Fez suas tarefas bem feitas, como sempre, mas as imagens não lhe saíam, nem sequer conseguia se distrair direito, tudo a lembrava.
Passara o resto do dia recluso em seu quarto, lembrando do sonho que teve na noite passada. Que grande sorte a dele sonhar com tal ser! Sentiu certa avareza, ao pensar em tal musa. Queria só pra ele os prazeres oferecidos por aquela encantadora. Mas, como pensar nisso, se foi tudo um sonho? Oh! Que profundo pesar abateu-se em sua alma ao passar por sua cabeça tal raciocínio! O pôr-do-sol de aproximava quando o velho andarilho decidiu sair de seu quarto. O salão de festas do casarão estava repleto de gente, para todos os gostos. Haviam mesas cheias de frutas e bebida. Ignorou por completo tal situação e saiu às pressas.
No seu caminhar notava-se um profundo ressentimento. Seus passos agora lentos e sempre silenciosos faziam dele quase um ancião. Parecia uma pobre alma a penar e assombrar a cidade. Com o velho tempo de outono, o vento estava um pouco mais frio do que o habitual, e era forte. Haviam folhas caídas por todos os lados, as árvores estavam desnudas. O céu já dava menções de que logo iria escurecer. Era o prenúncio de uma noite longa para o velho. Queria ele não mais ter acordado depois do sonho! Que bela imagem de fim de vida teria ele! Na tranqüilidade serena, na qual iria descansar, e com a mais bela vista jamais imaginada! Viu o orgulho bater de fronte a seu peito nessa hora.
Em sua penosa caminhada, não observara as belas paisagens ao longo de seu trajeto, coisa que tanto gostava de fazer. Era capaz de morrer de desgosto no estado em que estava? Não sabia, mas sentiu lá no fundo uma pontada. Queria isto dizer que sim? “E porque não morri antes de ter acordado!” Aceitaria com total resignação aquele primeiro fim depois do sonho!
A noite já caíra. Procurou um lugar para ficar. Avistou uma bela praça, florida, com bancos de mármore. Procurou sentar-se em um dos bancos. Um casal andava pela praça tranquilamente, de mãos dadas. Dois enamorados, laçados pelo destino! O andarilho sentiu cair uma lágrima quando viu o casal. Quanta angústia se debatia em seu ser! Será que algum deles sabia o que se passava com o outro, ou estavam juntos por simples idéia de estar? Ah, nada no mundo lhe fazia tanta falta quanto aqueles doces minutos (ou segundos?) que passara sonhando! Em seu lugar qualquer um sentiria o mesmo. Desatou a chorar como uma criança quando lhe tiram os doces. Se nos déssemos conta do que se passa em tais situações!
Saltou desesperado do banco. Estava agora em profusa loucura de espírito. Corria vagamente sem direção certa. Aquilo o consumia de dentro para fora. Seu estado exterior era péssimo. Quem o visse de fora diria que era maluco, um lunático. Mas ninguém sabe quais as verdadeiras razões que movem o espírito humano para tal ponto. Sabe-se que após essa noite na praça, nunca mais foi visto o pobre velho andarilho.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Pétalas e Pedras
Pétalas e Pedras
por Matheus Rocha
Ela corria descalça por entre as pedras. Sentia o chão duro embaixo da sola dos seus pés. Apenas algumas árvores davam um pouco de sombra ao campo. A concentração maior era o bosque. Seus olhos corriam mais rápidos por aquele vasto campo do que suas próprias pernas. Estava à procura. Tinha, lá no fundo, a certeza de que estava prestes a chegar ao lugar combinado. Mas faltava o caminho. Faltava trilhar aquele caminho saindo do campo e enredando-se pelo bosque à frente. Ao aproximar-se do bosque, desacelerou o passo. Agora caminhava normalmente. Não demonstrava nenhum tipo de cansaço. Mas parou em frente ao bosque.
Ainda não havia entrado. Fitou o bosque em sua extensão. Era a última coisa que tinha que passar para chegar. Parecia ter um certo receio de entrar. Fez uma prece silenciosa, sentiu a brisa passar por ela. Parecia um convite para adentrar-se nos mistérios do bosque à sua frente. Lugares abertos, como o campo a pouco atravessado, justamente por serem abertos, parecem dar a ideia de que nada escondem. Mas existem as pedras do caminho, escondidas ao longo do percurso aberto. Já o bosque parecia ser um lugar fechado, e lugares fechados denotam segurança. Porém, por serem fechados, não dão espaço a aparentes novidades naturais. Ela considerou isso antes de entrar. Estava diante do bosque e de costas para o campo.
A leve bruma do fim de tarde parecia ser mais densa na extensão do bosque. Ainda estava com o pensamento anterior na cabeça. Pôde perceber a diferença entre a bruma dispersa do campo e a densidade dela no bosque. Dava um leve tom obscuro aquele lugar. Mas os raios de sol, não tão fortes, é claro, os raios de sol em tons alaranjados ainda apontavam-lhe o caminho. A tonalidade do horizonte ao fundo confundia-se com o fogo dos seus cabelos. O Santuário da natureza estendido a sua frente ganhava tons maravilhosos com o fundo.
Enfim, entrou. Talvez com certo receio em seus passos. A cada centímetro andado, ela via sua realidade estreitar-se apenas aos confins do bosque, como pensara. Parecia não haver novidades naturais. Passou por sua cabeça pensar que ela era a novidade esperada, afinal nunca tinha entrado no bosque. É, era possível que fosse isso. Ficou encantada com as árvores que se agigantavam à sua frente. Parecia uma criança, mas não tinha medo de se perder lá dentro. No fundo, até gostaria de ficar entre elas. Porém, nada conhecia sobre árvores. Podia distinguir uma da outra pelo verde mais intenso de umas, ou as flores de outras, quem sabe pelas cascas de tronco.
Parecia um animalzinho qualquer ante o bosque. O labirinto de árvores que agora tomava conta do seu horizonte de vista era, no mínimo, amedrontador. Ela deixou sair um largo sorriso ao perceber a terra do bosque. Parecia mais úmida, assim como o ar. Pensou ser devido à chuva da última noite. Ocorreu-lhe que aquele emaranhado de troncos mais levava a crer que era uma caixa, ou um cômodo de uma casa por onde tem que passar até chegar ao ponto que se quer. As pedras que se encontrava lá fora, no campo, também estavam por lá. Umas mais enterradas, outras mais próximas a superfície. Talvez tenha mais algumas embaixo da terra. Além da terra e das pedras, que as vezes se confundiam, haviam ali os cascos das árvores. Eram escuros, alguns pareciam pedras, se vistos de longe.
Uma árvore florida chamou-lhe a atenção. Tinha um colorido diferente das outras. Algumas, em comparação com a que estava concentrada, pareciam estar mortas. Tinha flores brancas. Combinava com seu vestido claro. Puxou uma delas e arrumou em seu cabelo. Tinha um aroma forte e penetrante ao redor do local. Deduziu que não vinha daquela árvore, a flor não dava aquela impressão forte. Pelo contrário. Era muito espontânea para ser forte. Logo prosseguiu com o atravessar pela floresta. Sempre olhando para tudo que podia. Para a primeira vez, ia levar uma boa impressão daquele verde e florido lugar.
Havia muita coisa a ser vista, e essa primeira visita deixou despercebida muita coisa do bosque. Iria visitar aquele lugar mais vezes, isso tinha certeza. Não perdia o horizonte de vista. O bosque, por sinal, não era muito denso. Não logrou a sair do bosque e deparar-se, mais fortemente, com o horizonte à sua frente. Algumas árvores pareciam ter se desvencilhado do bosque e pulavam para fora. Foi escondendo-se por entre as árvores, fazendo pouco barulho. Ele já estava sentado na pedra, estava esperando por ela. Pôde constatar isso de longe. Aquela silhueta sentada sobre a pedra não deixava enganar.
Parou um pouco para perceber melhor a vista. Algumas árvores, flores, pedras e o horizonte alaranjado ao fundo, fazendo parecer mais um sonho do que um fim de tarde real. Tinha visto essas coisas apenas em livros, quadros e sonhos, claro. Contemplou durante alguns minutos aquela paisagem. Precisava ir até ele. Estava apenas a alguns metros, é certo, mas podia perder o ângulo de vista daquele cenário. Foi, enfim, de encontro.
Aproximou-se lentamente, sem fazer barulho. Parecia já estar acostumada com aquele local. E já estava, só não tinha entrado no bosque ainda. Conhecia os palmos daquele terreno bem, e sabia que ali seria um bom lugar para conversarem. Não quis assustar ele. Subiu na pedra e encostou-se a seu ombro. Ele parecia estar impaciente com aquilo tudo, aquela calmaria toda, e deixou ver tudo isso no seu rosto. Ela hesitou e o olhou fixamente.
- De novo você faz isso! Sabe que não gosto desse seu ar de que sabe mais sobre mim do que eu mesmo. – resmungou ele. Ela baixou os olhos e sentou-se a seu lado. O sol já estava para se pôr, e do alto daquela pedra parecia estar também maior. Ela permaneceu calada. Aquele silêncio parecia confortável para ela, mas ele não estava acostumado com aquilo tudo.
- Volto amanhã para a cidade. Tenho algumas coisas a fazer no trabalho. Não sei quando posso te ver de novo. Mas logo que puder, virei até aqui. – ele parecia estar nada contente com aquilo tudo. Ela permaneceu em silêncio. – Está me ouvindo? Porque me deixa falando sozinho? Você parece não se importar! – Ela o calou com um beijo. Sentiu os lábios molhados dela irem de encontro ao seco dos lábios dele.
- O que você quer? – perguntou ele, com um tom seco e vazio.
- Quero que não volte. Este foi meu beijo de despedida. – ele a fitou. Parecia indiferente com o que acabara de dizer. Não conseguia organizar direito seu pensamento depois de ouvir aquilo dela. Puxou um cigarro e fez menção de acendê-lo, mas fora impedido por ela. – Viu que não se importa? Tudo o que você fez até agora foi jogar palavras aos montes. Mais uma vez você vê muito e acha nada. Não percebe o que tem num palmo a sua frente. Quero que vá e não volte, não me procure mais. Se for isso que tem para me dar, não precisa voltar.
Ela olhou para o pôr-do-sol e deixou-o sentado, desconcertado ao seu lado. Ele saiu com certa pressa de lá, diria desembestado. Contemplou a paisagem à frente com lágrimas nos olhos. Sabia que tinha feito a escolha certa, mas escolher certo era difícil. Não olhou para trás, não por não querer vê-lo, mas que sabia que tudo aquilo que passou só existia atrás, no passado. E virar-se seria reviver, e magoar-se novamente. Sabia que aquele não era o seu amor, não falava a linguagem. Sentiu o vento, agora mais forte, passear por seus cabelos. Sentiu a flor branca querer desprender-se deles. Olhou para o lado, viu uma pequena borboleta voando sobre a pedra. Pareceu sentar-se ao seu lado. Quis voar, mas pousou suavemente sobre a palma da sua mão estendida. Ela queria dizer-lhe algo, sentia isso lá no fundo, e deixou-se ouvir o que aquilo tudo iria dizer.
Fechou os olhos por alguns momentos, respirou fundo o ar límpido daquele monte. Deitou-se esticada sobre a pedra, com braços e pernas bem afastados entre si. Sentiu o vento brincar com seu vestido e os fracos raios de sol iluminarem seu rosto suavemente. Ela pareceu confundir-se com o vento que corria solto. Sentiu-se leve, menos pesada, talvez até sem corpo. Era uma sensação mágica aquela de sentir-se vento. Sabia qual era o agente de toda força do mundo, que agora ela deixava entrar por entre seus poros e pensamentos. A lição do bosque tinha caído sobre ela, sobre seus joelhos no momento da conversa. Ficou de pé sobre a pedra. Percebeu o sol indo e uma gaivota transpassando o horizonte, cortando-o com seu vôo leve.
Sabia que não ia cair, não deslizaria para baixo. Estava firme em seus joelhos. Buscava esta verticalidade desde que começara a buscar seu caminho. E encontrou nas árvores do bosque a sabedoria da verticalidade. Viu e ouviu bem a sabedoria das árvores. Precisava da comunicação em três níveis. Sentiu, naquele momento, ser também uma árvore. Suas raízes fincadas no subterrâneo, de onde tirava suas forças; seu tronco observando a superfície e extraindo significados; e seus galhos que iam de encontro à sabedoria suprema dos céus.
por Matheus Rocha
Ela corria descalça por entre as pedras. Sentia o chão duro embaixo da sola dos seus pés. Apenas algumas árvores davam um pouco de sombra ao campo. A concentração maior era o bosque. Seus olhos corriam mais rápidos por aquele vasto campo do que suas próprias pernas. Estava à procura. Tinha, lá no fundo, a certeza de que estava prestes a chegar ao lugar combinado. Mas faltava o caminho. Faltava trilhar aquele caminho saindo do campo e enredando-se pelo bosque à frente. Ao aproximar-se do bosque, desacelerou o passo. Agora caminhava normalmente. Não demonstrava nenhum tipo de cansaço. Mas parou em frente ao bosque.
Ainda não havia entrado. Fitou o bosque em sua extensão. Era a última coisa que tinha que passar para chegar. Parecia ter um certo receio de entrar. Fez uma prece silenciosa, sentiu a brisa passar por ela. Parecia um convite para adentrar-se nos mistérios do bosque à sua frente. Lugares abertos, como o campo a pouco atravessado, justamente por serem abertos, parecem dar a ideia de que nada escondem. Mas existem as pedras do caminho, escondidas ao longo do percurso aberto. Já o bosque parecia ser um lugar fechado, e lugares fechados denotam segurança. Porém, por serem fechados, não dão espaço a aparentes novidades naturais. Ela considerou isso antes de entrar. Estava diante do bosque e de costas para o campo.
A leve bruma do fim de tarde parecia ser mais densa na extensão do bosque. Ainda estava com o pensamento anterior na cabeça. Pôde perceber a diferença entre a bruma dispersa do campo e a densidade dela no bosque. Dava um leve tom obscuro aquele lugar. Mas os raios de sol, não tão fortes, é claro, os raios de sol em tons alaranjados ainda apontavam-lhe o caminho. A tonalidade do horizonte ao fundo confundia-se com o fogo dos seus cabelos. O Santuário da natureza estendido a sua frente ganhava tons maravilhosos com o fundo.
Enfim, entrou. Talvez com certo receio em seus passos. A cada centímetro andado, ela via sua realidade estreitar-se apenas aos confins do bosque, como pensara. Parecia não haver novidades naturais. Passou por sua cabeça pensar que ela era a novidade esperada, afinal nunca tinha entrado no bosque. É, era possível que fosse isso. Ficou encantada com as árvores que se agigantavam à sua frente. Parecia uma criança, mas não tinha medo de se perder lá dentro. No fundo, até gostaria de ficar entre elas. Porém, nada conhecia sobre árvores. Podia distinguir uma da outra pelo verde mais intenso de umas, ou as flores de outras, quem sabe pelas cascas de tronco.
Parecia um animalzinho qualquer ante o bosque. O labirinto de árvores que agora tomava conta do seu horizonte de vista era, no mínimo, amedrontador. Ela deixou sair um largo sorriso ao perceber a terra do bosque. Parecia mais úmida, assim como o ar. Pensou ser devido à chuva da última noite. Ocorreu-lhe que aquele emaranhado de troncos mais levava a crer que era uma caixa, ou um cômodo de uma casa por onde tem que passar até chegar ao ponto que se quer. As pedras que se encontrava lá fora, no campo, também estavam por lá. Umas mais enterradas, outras mais próximas a superfície. Talvez tenha mais algumas embaixo da terra. Além da terra e das pedras, que as vezes se confundiam, haviam ali os cascos das árvores. Eram escuros, alguns pareciam pedras, se vistos de longe.
Uma árvore florida chamou-lhe a atenção. Tinha um colorido diferente das outras. Algumas, em comparação com a que estava concentrada, pareciam estar mortas. Tinha flores brancas. Combinava com seu vestido claro. Puxou uma delas e arrumou em seu cabelo. Tinha um aroma forte e penetrante ao redor do local. Deduziu que não vinha daquela árvore, a flor não dava aquela impressão forte. Pelo contrário. Era muito espontânea para ser forte. Logo prosseguiu com o atravessar pela floresta. Sempre olhando para tudo que podia. Para a primeira vez, ia levar uma boa impressão daquele verde e florido lugar.
Havia muita coisa a ser vista, e essa primeira visita deixou despercebida muita coisa do bosque. Iria visitar aquele lugar mais vezes, isso tinha certeza. Não perdia o horizonte de vista. O bosque, por sinal, não era muito denso. Não logrou a sair do bosque e deparar-se, mais fortemente, com o horizonte à sua frente. Algumas árvores pareciam ter se desvencilhado do bosque e pulavam para fora. Foi escondendo-se por entre as árvores, fazendo pouco barulho. Ele já estava sentado na pedra, estava esperando por ela. Pôde constatar isso de longe. Aquela silhueta sentada sobre a pedra não deixava enganar.
Parou um pouco para perceber melhor a vista. Algumas árvores, flores, pedras e o horizonte alaranjado ao fundo, fazendo parecer mais um sonho do que um fim de tarde real. Tinha visto essas coisas apenas em livros, quadros e sonhos, claro. Contemplou durante alguns minutos aquela paisagem. Precisava ir até ele. Estava apenas a alguns metros, é certo, mas podia perder o ângulo de vista daquele cenário. Foi, enfim, de encontro.
Aproximou-se lentamente, sem fazer barulho. Parecia já estar acostumada com aquele local. E já estava, só não tinha entrado no bosque ainda. Conhecia os palmos daquele terreno bem, e sabia que ali seria um bom lugar para conversarem. Não quis assustar ele. Subiu na pedra e encostou-se a seu ombro. Ele parecia estar impaciente com aquilo tudo, aquela calmaria toda, e deixou ver tudo isso no seu rosto. Ela hesitou e o olhou fixamente.
- De novo você faz isso! Sabe que não gosto desse seu ar de que sabe mais sobre mim do que eu mesmo. – resmungou ele. Ela baixou os olhos e sentou-se a seu lado. O sol já estava para se pôr, e do alto daquela pedra parecia estar também maior. Ela permaneceu calada. Aquele silêncio parecia confortável para ela, mas ele não estava acostumado com aquilo tudo.
- Volto amanhã para a cidade. Tenho algumas coisas a fazer no trabalho. Não sei quando posso te ver de novo. Mas logo que puder, virei até aqui. – ele parecia estar nada contente com aquilo tudo. Ela permaneceu em silêncio. – Está me ouvindo? Porque me deixa falando sozinho? Você parece não se importar! – Ela o calou com um beijo. Sentiu os lábios molhados dela irem de encontro ao seco dos lábios dele.
- O que você quer? – perguntou ele, com um tom seco e vazio.
- Quero que não volte. Este foi meu beijo de despedida. – ele a fitou. Parecia indiferente com o que acabara de dizer. Não conseguia organizar direito seu pensamento depois de ouvir aquilo dela. Puxou um cigarro e fez menção de acendê-lo, mas fora impedido por ela. – Viu que não se importa? Tudo o que você fez até agora foi jogar palavras aos montes. Mais uma vez você vê muito e acha nada. Não percebe o que tem num palmo a sua frente. Quero que vá e não volte, não me procure mais. Se for isso que tem para me dar, não precisa voltar.
Ela olhou para o pôr-do-sol e deixou-o sentado, desconcertado ao seu lado. Ele saiu com certa pressa de lá, diria desembestado. Contemplou a paisagem à frente com lágrimas nos olhos. Sabia que tinha feito a escolha certa, mas escolher certo era difícil. Não olhou para trás, não por não querer vê-lo, mas que sabia que tudo aquilo que passou só existia atrás, no passado. E virar-se seria reviver, e magoar-se novamente. Sabia que aquele não era o seu amor, não falava a linguagem. Sentiu o vento, agora mais forte, passear por seus cabelos. Sentiu a flor branca querer desprender-se deles. Olhou para o lado, viu uma pequena borboleta voando sobre a pedra. Pareceu sentar-se ao seu lado. Quis voar, mas pousou suavemente sobre a palma da sua mão estendida. Ela queria dizer-lhe algo, sentia isso lá no fundo, e deixou-se ouvir o que aquilo tudo iria dizer.
Fechou os olhos por alguns momentos, respirou fundo o ar límpido daquele monte. Deitou-se esticada sobre a pedra, com braços e pernas bem afastados entre si. Sentiu o vento brincar com seu vestido e os fracos raios de sol iluminarem seu rosto suavemente. Ela pareceu confundir-se com o vento que corria solto. Sentiu-se leve, menos pesada, talvez até sem corpo. Era uma sensação mágica aquela de sentir-se vento. Sabia qual era o agente de toda força do mundo, que agora ela deixava entrar por entre seus poros e pensamentos. A lição do bosque tinha caído sobre ela, sobre seus joelhos no momento da conversa. Ficou de pé sobre a pedra. Percebeu o sol indo e uma gaivota transpassando o horizonte, cortando-o com seu vôo leve.
Sabia que não ia cair, não deslizaria para baixo. Estava firme em seus joelhos. Buscava esta verticalidade desde que começara a buscar seu caminho. E encontrou nas árvores do bosque a sabedoria da verticalidade. Viu e ouviu bem a sabedoria das árvores. Precisava da comunicação em três níveis. Sentiu, naquele momento, ser também uma árvore. Suas raízes fincadas no subterrâneo, de onde tirava suas forças; seu tronco observando a superfície e extraindo significados; e seus galhos que iam de encontro à sabedoria suprema dos céus.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Desespero
Mas no amor, a alma se desafia,
Desanda. Dominado pela melancolia,
O ser se debate até morrer, sem saber
Se realmente amou um dia!
Desanda. Dominado pela melancolia,
O ser se debate até morrer, sem saber
Se realmente amou um dia!
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