sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Pétalas e Pedras

Pétalas e Pedras
por Matheus Rocha

Ela corria descalça por entre as pedras. Sentia o chão duro embaixo da sola dos seus pés. Apenas algumas árvores davam um pouco de sombra ao campo. A concentração maior era o bosque. Seus olhos corriam mais rápidos por aquele vasto campo do que suas próprias pernas. Estava à procura. Tinha, lá no fundo, a certeza de que estava prestes a chegar ao lugar combinado. Mas faltava o caminho. Faltava trilhar aquele caminho saindo do campo e enredando-se pelo bosque à frente. Ao aproximar-se do bosque, desacelerou o passo. Agora caminhava normalmente. Não demonstrava nenhum tipo de cansaço. Mas parou em frente ao bosque.
Ainda não havia entrado. Fitou o bosque em sua extensão. Era a última coisa que tinha que passar para chegar. Parecia ter um certo receio de entrar. Fez uma prece silenciosa, sentiu a brisa passar por ela. Parecia um convite para adentrar-se nos mistérios do bosque à sua frente. Lugares abertos, como o campo a pouco atravessado, justamente por serem abertos, parecem dar a ideia de que nada escondem. Mas existem as pedras do caminho, escondidas ao longo do percurso aberto. Já o bosque parecia ser um lugar fechado, e lugares fechados denotam segurança. Porém, por serem fechados, não dão espaço a aparentes novidades naturais. Ela considerou isso antes de entrar. Estava diante do bosque e de costas para o campo.
A leve bruma do fim de tarde parecia ser mais densa na extensão do bosque. Ainda estava com o pensamento anterior na cabeça. Pôde perceber a diferença entre a bruma dispersa do campo e a densidade dela no bosque. Dava um leve tom obscuro aquele lugar. Mas os raios de sol, não tão fortes, é claro, os raios de sol em tons alaranjados ainda apontavam-lhe o caminho. A tonalidade do horizonte ao fundo confundia-se com o fogo dos seus cabelos. O Santuário da natureza estendido a sua frente ganhava tons maravilhosos com o fundo.
Enfim, entrou. Talvez com certo receio em seus passos. A cada centímetro andado, ela via sua realidade estreitar-se apenas aos confins do bosque, como pensara. Parecia não haver novidades naturais. Passou por sua cabeça pensar que ela era a novidade esperada, afinal nunca tinha entrado no bosque. É, era possível que fosse isso. Ficou encantada com as árvores que se agigantavam à sua frente. Parecia uma criança, mas não tinha medo de se perder lá dentro. No fundo, até gostaria de ficar entre elas. Porém, nada conhecia sobre árvores. Podia distinguir uma da outra pelo verde mais intenso de umas, ou as flores de outras, quem sabe pelas cascas de tronco.
Parecia um animalzinho qualquer ante o bosque. O labirinto de árvores que agora tomava conta do seu horizonte de vista era, no mínimo, amedrontador. Ela deixou sair um largo sorriso ao perceber a terra do bosque. Parecia mais úmida, assim como o ar. Pensou ser devido à chuva da última noite. Ocorreu-lhe que aquele emaranhado de troncos mais levava a crer que era uma caixa, ou um cômodo de uma casa por onde tem que passar até chegar ao ponto que se quer. As pedras que se encontrava lá fora, no campo, também estavam por lá. Umas mais enterradas, outras mais próximas a superfície. Talvez tenha mais algumas embaixo da terra. Além da terra e das pedras, que as vezes se confundiam, haviam ali os cascos das árvores. Eram escuros, alguns pareciam pedras, se vistos de longe.
Uma árvore florida chamou-lhe a atenção. Tinha um colorido diferente das outras. Algumas, em comparação com a que estava concentrada, pareciam estar mortas. Tinha flores brancas. Combinava com seu vestido claro. Puxou uma delas e arrumou em seu cabelo. Tinha um aroma forte e penetrante ao redor do local. Deduziu que não vinha daquela árvore, a flor não dava aquela impressão forte. Pelo contrário. Era muito espontânea para ser forte. Logo prosseguiu com o atravessar pela floresta. Sempre olhando para tudo que podia. Para a primeira vez, ia levar uma boa impressão daquele verde e florido lugar.
Havia muita coisa a ser vista, e essa primeira visita deixou despercebida muita coisa do bosque. Iria visitar aquele lugar mais vezes, isso tinha certeza. Não perdia o horizonte de vista. O bosque, por sinal, não era muito denso. Não logrou a sair do bosque e deparar-se, mais fortemente, com o horizonte à sua frente. Algumas árvores pareciam ter se desvencilhado do bosque e pulavam para fora. Foi escondendo-se por entre as árvores, fazendo pouco barulho. Ele já estava sentado na pedra, estava esperando por ela. Pôde constatar isso de longe. Aquela silhueta sentada sobre a pedra não deixava enganar.
Parou um pouco para perceber melhor a vista. Algumas árvores, flores, pedras e o horizonte alaranjado ao fundo, fazendo parecer mais um sonho do que um fim de tarde real. Tinha visto essas coisas apenas em livros, quadros e sonhos, claro. Contemplou durante alguns minutos aquela paisagem. Precisava ir até ele. Estava apenas a alguns metros, é certo, mas podia perder o ângulo de vista daquele cenário. Foi, enfim, de encontro.
Aproximou-se lentamente, sem fazer barulho. Parecia já estar acostumada com aquele local. E já estava, só não tinha entrado no bosque ainda. Conhecia os palmos daquele terreno bem, e sabia que ali seria um bom lugar para conversarem. Não quis assustar ele. Subiu na pedra e encostou-se a seu ombro. Ele parecia estar impaciente com aquilo tudo, aquela calmaria toda, e deixou ver tudo isso no seu rosto. Ela hesitou e o olhou fixamente.
- De novo você faz isso! Sabe que não gosto desse seu ar de que sabe mais sobre mim do que eu mesmo. – resmungou ele. Ela baixou os olhos e sentou-se a seu lado. O sol já estava para se pôr, e do alto daquela pedra parecia estar também maior. Ela permaneceu calada. Aquele silêncio parecia confortável para ela, mas ele não estava acostumado com aquilo tudo.
- Volto amanhã para a cidade. Tenho algumas coisas a fazer no trabalho. Não sei quando posso te ver de novo. Mas logo que puder, virei até aqui. – ele parecia estar nada contente com aquilo tudo. Ela permaneceu em silêncio. – Está me ouvindo? Porque me deixa falando sozinho? Você parece não se importar! – Ela o calou com um beijo. Sentiu os lábios molhados dela irem de encontro ao seco dos lábios dele.
- O que você quer? – perguntou ele, com um tom seco e vazio.
- Quero que não volte. Este foi meu beijo de despedida. – ele a fitou. Parecia indiferente com o que acabara de dizer. Não conseguia organizar direito seu pensamento depois de ouvir aquilo dela. Puxou um cigarro e fez menção de acendê-lo, mas fora impedido por ela. – Viu que não se importa? Tudo o que você fez até agora foi jogar palavras aos montes. Mais uma vez você vê muito e acha nada. Não percebe o que tem num palmo a sua frente. Quero que vá e não volte, não me procure mais. Se for isso que tem para me dar, não precisa voltar.
Ela olhou para o pôr-do-sol e deixou-o sentado, desconcertado ao seu lado. Ele saiu com certa pressa de lá, diria desembestado. Contemplou a paisagem à frente com lágrimas nos olhos. Sabia que tinha feito a escolha certa, mas escolher certo era difícil. Não olhou para trás, não por não querer vê-lo, mas que sabia que tudo aquilo que passou só existia atrás, no passado. E virar-se seria reviver, e magoar-se novamente. Sabia que aquele não era o seu amor, não falava a linguagem. Sentiu o vento, agora mais forte, passear por seus cabelos. Sentiu a flor branca querer desprender-se deles. Olhou para o lado, viu uma pequena borboleta voando sobre a pedra. Pareceu sentar-se ao seu lado. Quis voar, mas pousou suavemente sobre a palma da sua mão estendida. Ela queria dizer-lhe algo, sentia isso lá no fundo, e deixou-se ouvir o que aquilo tudo iria dizer.
Fechou os olhos por alguns momentos, respirou fundo o ar límpido daquele monte. Deitou-se esticada sobre a pedra, com braços e pernas bem afastados entre si. Sentiu o vento brincar com seu vestido e os fracos raios de sol iluminarem seu rosto suavemente. Ela pareceu confundir-se com o vento que corria solto. Sentiu-se leve, menos pesada, talvez até sem corpo. Era uma sensação mágica aquela de sentir-se vento. Sabia qual era o agente de toda força do mundo, que agora ela deixava entrar por entre seus poros e pensamentos. A lição do bosque tinha caído sobre ela, sobre seus joelhos no momento da conversa. Ficou de pé sobre a pedra. Percebeu o sol indo e uma gaivota transpassando o horizonte, cortando-o com seu vôo leve.
Sabia que não ia cair, não deslizaria para baixo. Estava firme em seus joelhos. Buscava esta verticalidade desde que começara a buscar seu caminho. E encontrou nas árvores do bosque a sabedoria da verticalidade. Viu e ouviu bem a sabedoria das árvores. Precisava da comunicação em três níveis. Sentiu, naquele momento, ser também uma árvore. Suas raízes fincadas no subterrâneo, de onde tirava suas forças; seu tronco observando a superfície e extraindo significados; e seus galhos que iam de encontro à sabedoria suprema dos céus.

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