quarta-feira, 9 de março de 2011

Forte

Sentado à beira da praia, num dos altos do Forte. Lugar onde os estados misturam-se. Sondam-se. Não se escolhe o tamanho das ondas, apenas enfrenta-se o que virá. Aqueles que ali estavam pareciam não reconhecer o paradigma advindo dos densos e remotos mares. Viam tudo como simples e pura obra da natureza. O vento passava, levava a areia, remexia com tudo e todos ali presente. E as ondas volviam a bater rente ao longo corredor de areia da beira. Continuava, do alto do Forte, a observar a paisagem. O novo paradigma estava então diante dele, enfim. O silêncio dos ventos que entrecortavam qualquer tipo de negação daquele momento era, no mínimo, difícil de ser percebido. Os demais eram só estátuas de sal ali naquele lugar, olhavam apenas para o mesmo lado. O sal, não, não era o mesmo do mar. Olhou para baixo, para a areia fofa que se escondia à sombra do Forte. A sombra. Areia. Mar. Terra. Vento. Direção. Isto ao mesmo tempo!
Quando se dá atenção aquilo que lhe é próprio do momento, aquele dado ali em frente, é percebido as primeiras possibilidades. Os pensamentos queriam cruzar a mente. Por mais que tentasse, o silêncio de sua alma era magnânimo. Por mais que falassem, gritassem, fizessem barulho externo, nada lhe tirava a atenção. Mas, onde estaria agora? Nem ele sabia. Via fotografias sendo tiradas, era o registro dos outros daquele momento. Novamente, a direção. Areia. Sal. Mar. Vento. Olhou para baixo. Percebeu o movimento do final das ondas sobre a areia. Encontro. Sal e Areia molhada. O vento corria junto, dava para ver, claro. Aquele velho conceito percebido há tempos atrás agora se fazia sentido. Agora, encaixava. Isso era sabido. Não tinha a mínima necessidade de explicação, era só sentir a Alma do Mundo em movimento. Em constante. Com a sua. Movimento. Onda. Areia. Vento. Mar.
Era então assim, sentir. Enfim, algo o trazia. Conseguiu! E quem responde a esta questão? Desceu. O Forte. Foi de encontro à praia. Via o sorriso passageiro nos rostos ali espiados. Ele, não sorrira até então. O infinito encontrado nos rostos já havia se dispersado há muito. Ele tinha certeza. Caminhou em direção à beira, sentiu a água da praia tocar os dedos levemente, como se fosse, no próximo momento, fosse extinguir. A extinção já havia acontecido. Sentou-se, então, frente à possibilidade. Via-a recostada a seu peito. Agradeceu, não sabe a quê ou a quem. Mas, era a primeira vez que aquilo saía de dentro de si. E nessas horas não se sabe nem o que está dentro nem o que está fora. Dentro de onde? Perguntou-se, enfim. Deitou a palma da mão sobre a mistura de areia, sal, água e vento. Sentiu algo no encontro entre os espaços. Segurou. Puxou. Um terço, branco. Era o sinal que precisava! As lágrimas correram. Misturavam-se à areia, o sal, a água e ao vento. Trouxe o objeto para próximo do peito. Sentiu-o. Firme. Encontrara a precisão necessária onde estava reclinada a possibilidade.
Um simples movimento de respiração naqueles segundos, ali parado, era a produção de sentido que precisava. Logo fora avisado de que iriam partir. Por mais que quisesse, ou não, nunca iria esquecer aqueles sinais. Entrou no ônibus, como os outros. Ele, silêncio. Abriu as cortinas, viu aquele começo de tarde acenar para ele. As lágrimas acenaram de volta. Puseram-se a descansar enquanto prosseguiam para o próximo destino. No folheto na cadeira ao lado, havia o destino para qual ia agora. Pouco importava agora onde iam aquelas pessoas, muitas delas vieram a essa viagem por ser apenas mais uma viagem com a turma da escola. Ele, diferente. Abriu o folheto. Procurou a hora num relógio. Não tinha. Perguntou a alguém do lado. Responderam-lhe. Tornou a olhar o folheto. Iam a uma igreja agora, no alto. Seu rosto iluminou-se. Sincronia perfeita! Sentiu o terço em volta de seu pescoço.
Sincronia. Era só com ele ou mais alguém tinha algo a dizer? Queria levantar, dizer a todos ali presentes que encontrara um terço, falar da experiência de minutos atrás, de sincronia, de alma, enfim! Mas quem iria querer ouvir suas coisas? Quem iria querer ver lágrimas de emoção enquanto estavam tão distraídas com seus fones, suas festas, suas palavras jogadas? Logo se aquietou. Percorreu com olhar a extensão interna do ônibus. As cadeiras duplas estavam cheias. Duas pessoas em cada. Olhou pro lado. O que preenchia o espaço da cadeira ao lado eram seus livros. Pegou um deles. Baixou a cabeça.
Logo chegaram ao destino. Ali desceram. Ouvia resmungos de todos. Uns sorriam alto demais, chamavam muita atenção. Outros reclamavam do calor. Outros cantavam. E ele, nada. Saiu apenas com o terço enrolado em seu pescoço. Caminhou junto com os outros o caminho até a igreja. Por onde passava, via os olhares das pessoas com quem estava junto. Elas não se importam com a alma, com o sol, com a lua, com a noite, com as estrelas. Importam-se com sua imagem. Via alguns fingirem estarem encantados com alguma arte decorativa, aqueles suspiros de quando se vê uma coisa e acha bonito, mas no fundo, nem se importa. Só pra fazer cara, mesmo. Aproximaram-se então da igreja em questão.
Percorreu com os olhos a arquitetura da igreja. Monumental. Sentiu-se, por um momento, insignificante. Tolo. Diante daquilo, quem não sentiria isso? Foi atropelado por uma dupla que cantava em alto som. Era a resposta. Deu os primeiros movimentos para dentro da igreja. Era impressão, ou só ele conseguia ouvir seus passos? Alterou seu horizonte. Olhou para dentro do local. Majestoso. O ouro cobria as paredes, as imagens pintadas saltavam aos olhos. O altar principal, então. Agora sim, sentiu-se verdadeiramente pequeno. Estava bestificado com o que via. Encostou-se numa das cadeiras, sentou-se e contemplou.
A mesma sensação de estar junto ao mar parara diante dele naquela hora. Novamente, sentou-se à sua frente. Dessa vez, ele o cortejou. Ouviu um cochicho, trazido pelo vento. Sim, por favor. A fenda, enfim, abriu-se. Ajoelhou-se diante daquilo. Desceu a cabeça. Misturou oração e lágrimas, de novo. As lágrimas banharam o terço em suas mãos. Seu olhar, encharcado, voltou-se de encontro ao altar. Olhou bem. Encontrou um senhor de batina (não sabia o que era) azul, em tons escuros. Foi a seu encontro.
Seus olhos encontraram-se. O jovem sentiu um torpor ao penetrar o olhar do mais velho. Este percebera o olhar. Cativou-o. Enxugou as lágrimas. Segurou pela mão e o conduziu até uma ante-sala ao norte do altar. Ele ficara surpreso, não havia visto aquela sala. O senhor viu a dúvida em sua face e sorriu. Ele entendeu. Tirou do pescoço o terço achado, contou a história. O velho ouvia-o, perguntava-o. Respondeu. Entregou-lhe o terço molhado por suas lágrimas. Outra submersão foi feita, abençoou. Agradeceu com um abraço apertado. O velho sorriu de volta. Era hora de voltar.
Fez o percurso olhando para o terço em mãos. Subiu e sentou-se em sua cadeira. Puxou o livro para si. Alguém que passava naquele instante fitou-o. Leu o título do livro. “Ah! Você viu o velho que parecia um alquimista?” E sorriu um sorriso sarcástico. Deu as costas. Não ligou. Olhou pela janela. O tempo passa rápido. Já era fim de tarde. Contemplou o laranja-avermelhado do céu. Lembrou do dia. Era equinócio de primavera, como no livro! Sincronia! Não sentia necessidade de compartilhar com nada externo a ele, porque, como diz o mago do livro que lia, as coisas passavam a acontecer dentro dele. E chorou.