sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Agradecimento

Os textos aqui postados são, de fato, experimentais. Esse primeiro experimento feito por mim pode se chamar "sentidos", se quiserem. Alguns dos contos aqui postados vão ser reformulados e postados em uma outra página, onde disponibilizarei o endereço pasra vocês. Obrigado.


Post-Scriptum:

Meus cordiais e sinceros agradecimentos a todos que contribuíram de alguma forma para este canto experimental onde posto alguns rabiscos. Não pararei de postar alguma coisa neste endereço, claro!
Quero demonstrar meu sincero agradecimento a todos que leram, o carinho recebido pelos amigos (também leitores), enfim. Obrigado a todos!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Rosa

Rosas ao altar
Ao mar, ao sul
Ao céu, ao fim
À ti e a mim.

Depois de uma valsa triste,
Projetos estragados, poemas rasgados
Versos desajustados
E rosas em certo estado
Que não chama a atenção
Mas que sempre é lembrado.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Aqua

por Matheus Rocha


O corpo estava estendido sobre a cama. O clima lá fora estava gélido. A névoa tomava conta da rua inteira, se vista da janela de seu quarto. O vento parecia estar forte, as árvores iam e vinham em gestos bruscos. O céu parecia armar uma grande tempestade. Finalmente começou a escutar os primeiros pingos de chuva baterem à sua janela. Olhou de lado, fitou firmemente a chuva. O barulho entrava levemente por seus ouvidos, parecia um sussurro, desses que se ouvem ao final do inverno. A chuva doce caindo, parecia querer dizer algo. Na verdade, tudo quer dizer algo. Até os pingos de chuva, por mínimos que sejam, trazem seus fatos e se deixam cair à terra para lhe mostrar o que são, o que vieram mostrar. Era agradável ver a chuva caindo. Talvez poucas pessoas lembrem que a partir do cinzento das nuvens nascem as mais belas flores. Olhou para o lado. Ela estava dormindo ainda.
Levantou-se, enfim. Tinha de fazer aquilo. Podia fazer aquilo o quanto quisesse. Ninguém mais ia lhe perguntar “por quê?”. Não era pra fazer sentido. Colocou devagar os pés no chão, sentiu quão frio estava. Fitou-a outra vez. Estendeu o braço para acariciar sua pele branca macia. Os loiros cabelos escondiam sua face, o que dava um ar de mistério a ela. Mais do que já tinham os dois? Não, não dava. Arrumou-lhe os cabelos. Sentiu sua mão ir de encontro àquele rosto rosado, quente. Percebeu a silhueta na qual ela estava envolvida pelo fino lençol branco, quase transparente. Sentiu as lágrimas vindas aos seus olhos, mas segurou-se. Prostrou-se de pé, contornou a cama. Estava diante de seu rosto. Deu um leve beijo em sua testa, para não acordá-la. Foi em direção à porta. Abriu devagar. Sentiu o vento vir de encontro a seu corpo. Estava frio, teve certeza então.
Passeou pela casa vazia. Só eles estavam lá. Não deu atenção direta à casa. Tinha um pensamento fixo, que não iria distanciar-se dele. Embora esse mesmo pensamento lhe fosse lembrado a cada passo, cada segundo, pelas gotas de chuva que lá fora se deixavam levar. Havia um silêncio diferente no local. O silêncio da chuva. Aqueles momentos em que tudo para, e só se ouve o barulho livre da chuva: molhando a terra, as plantas, indo contra o telhado. Chegou à varanda. A porta de vidro se estendia à sua frente. Sentou-se ao chão, recostou seu corpo junto à parede e apenas observou. Tudo parece ser bem mais fácil quando visto de longe. Cada pingo, por mais que confundamos a chuva como sendo um todo, realmente é uma unidade total, tem seu lugar exato na dança da chuva que se mostrava diante dele. Tinha energias diferentes, cada um deles. Confundiam-se, embrenhando uns nos outros. Era difícil de ver. Mas, com calma, atenção e esforço, percebia-se. Tudo se encaixava perfeitamente. O cheiro da terra molhada invadia sua alma aos poucos, o barulho dos pingos caindo já havia tomado conta. Sentia-se chamado por eles. Decerto sentira o sangue correr por suas veias. Talvez ainda não tinha se dado conta de seu próprio sangue, da sua rota. Era o caminho do sangue, e dentro dele, estava escrito o próprio caminho. Não, não estava codificado e trancafiado num simples DNA, nem nas células sanguíneas.
Levantou-se de súbito, mas não apressado. Abriu levemente a porta de vidro, e deixou o barulho penetrar por completo em seu estado. Agora sentia-o mais vívido, mais perto, mais certo. Não hesitou, nem um momento. Deixou-se guiar pelos ventos da dança da chuva. Deu o primeiro passo. Sentiu-os baterem contra seu corpo. Não se protegia de nenhum, deixava-os chocar-se nele. Eles não se desfaziam, como pensava. Eles agora eram parte dele, e ele era parte da chuva. Caminhou pelo jardim. Sentiu a terra molhada sob seus pés. A cada passo dado, misturava cada vez mais. Haviam milhares de possibilidades caindo sobre eles, e ele não era a única possibilidade de queda que a chuva tinha. São infinitas possibilidades. Agradeceu por ter um ínfimo daquelas possibilidades que caíam a todo o momento. Sabia que não eram seus, era o contrário. Ele era deles. E não tinha como não ser. Baixou a cabeça e não se conteve mais. Deixou o choro cair.
Suas lágrimas misturavam-se com os pingos de chuva. Ambas caíam juntas. Iam de encontro ao chão. Cambaleou. Deu dois passos para frente. Deixou se cair, desabar rente ao chão. Foi de encontro ao gramado verde, ao tapete da natureza. Sentia a chuva cair diretamente, misturando com a areia fofa da terra. Também sentiu suas lágrimas caírem junto, misturando-se com a chuva e a terra. Agarrou firmemente a grama. Cravou seus dedos na terra. Chorou feito uma criança, olvidou-se do tempo. Apenas sentia aquela sensação de misturar-se.
Espiou de lado. Seu olhar foi de encontro a uma rosa que começava a desabrochar. Contemplou-a por um bom tempo. Ela também dançava. Parecia estar se exibindo para ele. Desabrochou, enfim. Era perfeita. Havia uma rosa em seu jardim. Moveu-se depois de tempo. Sentou-se agora diante da rosa. A chuva ainda caía. Não se esquecera da chuva. Apenas concentrou-se na rosa que via à sua frente.
Encolheu os joelhos para perto de seu peito molhado. Sentiu seu sangue correr vivo por entre seus vasos. Sentiu seu batimento, sua respiração. Sentiu tudo o que poderia sentir naquele curto momento. A chuva diminuiu o ritmo. As brechas do sol fizeram-se ver, mesmo com a chuva ainda caindo. Foi rápido. Mas ele não desvencilhou o olhar da rosa. Ficou parado, imóvel.
Observou a flor ali, sozinha e encharcada. Viu seu reflexo na poça de água que formara-se ao lado dela. Viu uma imagem refletida. Viu a verdade, a consciência e, principalmente, viu seu coração. Há pouco o havia sentido, mas não tinha visto. O reflexo da água, que se fazia espelho agora, mostrou-lhe o que precisava ver. Tinha fugido daquela imagem por todo tempo, mas era preciso enfrentar, não a palavra exata, já não tinha essa exatidão, mas o mais próximo disso possível.
Observou a água escorrer por seu corpo, Viu perder-se entre a terra. Os pingos, a unidade, a chuva, o rio. A fonte. Purificação e regeneração misturavam-se em seu largo peito molhado naquele momento.
Sentiu uma leve presença se aproximando. Era ela. Estava descalça, assim como ele. Aproximou-se e sentou do seu lado. Ela afagou-lhe os cabelos, molhados pela chuva. Ele não precisara falar. Ela entendera tudo. Sempre entendia. Sentiu mais uma vez as lágrimas vindo aos olhos e deixou-as sair novamente. Sentiu-se repentinamente nostálgico. Ela as enxugou carinhosamente. Deu-lhe um beijo na testa. Sentiu ainda o choque dos lábios juntos. Misturava-se com a fina chuva que se fazia ainda presente. Ao longo daquele espaço de tempo do beijo selado, a chuva parou. Ele a abraçou fortemente. Havia outro silêncio no local. Ela levou sua cabeça a encontro do peito molhado dele e ali se recostou suavemente. Contemplaram juntos e abraçados o arco-íris que se estendia no horizonte à sua frente. Ele sentiu aqueles cabelos molhados junto a seu peito. De uma coisa estava certo: havia uma flor em seu jardim.