sábado, 14 de agosto de 2010

A Espera

A Espera
por Matheus Rocha

A penumbra começava a fazer-se presente no quarto. Anoitecia lentamente, o que fazia crer que o tempo também assim prosseguia junto. Os segundos pareciam demorar mais do que o habitual. As janelas abertas deixavam penetrar o vento obscuro do outono. A pequena vela estava ao seu lado, plácida e firme como sempre. Tinha certeza de que estava palidamente sombria, ainda mais com a vista que se deixava ver atrás dela. O céu tremendamente escuro, o sol caindo ao fundo. A calmaria instalara-se lá fora, dentro do quarto nada se passava. Sabia que se aproximava, cada segundo a mais era um a menos. E tudo parecia correr bem.
Os lençóis, limpos e brancos feito neve, não iriam se sujar. Formas e cores já não faziam mais sentido algum. Nada faz sentido algum. Nada. O que a levaria? Lembranças adormecidas por muito tempo, que pareciam perdidas para sempre, vieram-lhe a consciência. Deixou-os passar livremente, e logo vieram outros. Era ininterrupto. Já estava à espera.
O quarto, seu quarto, tinha colorações em tons roseados. Redecorou inúmeras vezes aquele espaço. Queria que tivesse a sua cara, o seu jeito. Gostava de estar ali. A mobília, escolhida por ela; a decoração, os jogos de cama, tudo fora ela. E agora, que tudo isso se fora, era apenas espaço vazio. Oco. Ela agora estava mais parecida com um ornamento morto dentro daquele espaço em forma de quadrado que tanto tentara fazer algo seu. Ela não sabia se fazer espaço. Queria que o espaço se fizesse dela. Não conseguia reconhecer-se fora de algo. Era só aquela densa e pálida figura recostada em uma das extremidades do quarto.
Deixava os cabelos caídos sobre os ombros. Preferiu colocar a cabeça por entre as pernas e esperar. Os braços sobre a cabeça a deixavam inerte, absorta em si. Desconfigurada ela se sentia. A casa em que sempre morou parecia totalmente alheia a ela. Sentia que ficara gélida, sem expressão, a cada volta do sol. O vento trazia o gelo que agora batia dentro de si. Agora a escuridão era plena.
Há dias que chorava compulsivamente. Não sabia porque. Levantou a cabeça, viu-se ao fundo. Conseguia distinguir apenas alguns borrões em meio à penumbra. Nada via claramente, com precisão. Não tinha mais forças, estava ansiosa pela chegada. Sabia que essa era a certeza pela qual deixou-se enganar toda a sua existência. Passara a vida apegando-se a distorções, cacos daquilo que se mostrava para ela.
Deixou pender a cabeça para o lado. Escapou um grito seco, quase sem vida, sem forças. Parecia querer ouvir o som do próprio grito. Ouviu um leve eco, que trazia de volta a ela aquele espanto oferecido pelas palavras. Seus dentes agora se batiam. Os lábios, roxos e secos, agora demonstravam a face daquela figura que vira parada à porta. Vira seu vulto. Mas sabia que tinha chegado, enfim. Deu um sorriso com o canto da boca. Virou a palma da mão para cima, cerrou o punho levemente, nem sequer chegou a tocar os dedos uns nos outros. Suas pupilas dilataram-se. Sua boca aberta encontrou-se com o chão, dando o último beijo. Sentiu um leve torpor tomar conta de seu corpo. Levou os olhos de encontro ao vidro atrás de si. Viu a luz da lua pairar sobre aquele sórdido pedaço de vazio que se encontrava. E, abençoada pela luz sombria da lua, partiu.

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